A atendente do caixa do supermercado se despede de mim com um sincero, quase automático, desejo de boas festas.
Boas festas. Boas. Festas? Estamos em 2020, o ano que transformou a palavra festa em sinônimo de surto coletivo. Uma palavra que até meados de março expressava alegria e júbilo, e se referia a uma aglomeração de indivíduos com o objetivo de celebrar a vida, seja lá qual fosse a desculpa.
Hoje, as consequências de uma festa podem ser muito mais desastrosas do que uma ressaca, já que esse tipo de evento se tornou um perigoso vetor de contaminação.
O ano de 2020 pode estar perto do fim, mas não tem hora para acabar. A época mais festiva acontece no momento menos propício a festejos. Enquanto a vacina desponta em um horizonte nublado pela incompetência do governo federal, os casos voltaram a subir e o sistema de saúde pública entra novamente em colapso.
Além do uso obrigatório de máscaras, seria de bom tom aprovar uma lei para proibir temporariamente a expressão "boas festas", ou pelo menos antecipá-la com um alerta de gatilho.
Não acho que tenha sido a intenção da atendente, mas há algo de muito sádico em desejar boas festas em plena pandemia. Boas festas, assim mesmo no plural, como se a minha agenda estivesse lotada de eventos. Que festas? Que boas são essas? Eu não sei o que é uma boa, o que é uma festa, há meses, e não vou saber tão cedo. A ceia de Natal, o Réveillon, e até o Carnaval foram cancelados.
Boas festas para quem? Não sou cidadã neozelandesa, nem voluntária da Pfizer. Adoro a rabanada da minha avó, mas não o suficiente para matar por ela. O auge da minha virada de ano, se tudo der certo, vai ser um campeonato de biriba. A expectativa é uma canastra real, a realidade é uma porrada de trincas. E não me venha com convites para festas clandestinas, pois de nada adianta ter fogo no rabo enquanto este rabo não estiver vacinado.
Apenas respondo, "obrigada, boas festas para você também". Até porque desejar "boas aglomerações com alto risco de contágio" não tem uma sonoridade muito legal. E para você que está em dúvida sobre o que escrever nos cartões de Natal, fica a sugestão: "Meus sinceros votos de sintomas leves e muitos anticorpos para você e para toda a sua família".
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