Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
Descrição de chapéu
drogas

'Euphoria', com tanto sexo e drogas, mostra que viver nos anos 2000 era diferente

Na minha época, o que tínhamos era maconha prensada com urina de traficante e gás de buzina, chamado de 'droga da Copa'

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A personagem adolescente de "Euphoria" acorda três horas antes do início da aula para se arrumar. Se maquia como se estivesse indo à própria festa de 15 anos. Um delineado que poderia ser exposto no
MoMA. Unhas tão longas quanto a BR-116. Isso sem falar dos looks para desfilar pelos corredores da escola como numa passarela em Milão.

Minha adolescência foi bem diferente. Acordava 20 minutos depois de a aula ter começado. O único despertador capaz de me tirar da cama era o lamento gutural da minha mãe se perguntando onde foi que ela errou. Eu tinha meia hora para me arrumar e chegar para o segundo tempo. Amarrava um moletom na cintura para me proteger das mãos bobas no ônibus lotado, os olhos ornados apenas por remelas.

Ilustração representando um rosto no qual figura um olho com as pupilas dilatadas, do qual escorre um líquido brilhoso
Ilustração publicada em 21 de fevereiro - Silvis

A personagem adolescente de "Euphoria" usa drogas como fentanil, heroína, oxicodona, morfina e ketamina. Basta bater na porta de um dealer fantasiado de vitrine da Adidas, cuja maleta é quase um Mercadão de Madureira das drogas. Só a pressão de escolher entre tantas opções já desencadeia uma crise de ansiedade. Por sorte, o dealer também dispõe de ansiolíticos.

Sentem-se em volta da poltrona, vovó vai contar para vocês sobre as drogas que conseguia obter nos anos 2000. Maconha prensada com urina de traficante. Gás de buzina, conhecido também como a "droga da Copa". Benflogin, um anti-inflamatório que, se tomado em grandes quantidades, deixava temporariamente psicótico. Cogumelos colhidos diretamente da bosta do boi Zebu em expedições das quais voltávamos devoradas por carrapatos.

A personagem adolescente de "Euphoria" transa. Não importa se é homem, mulher, não binárie, genderfluid, se é a melhor amiga, o ex da melhor amiga, o pai do ex da melhor amiga. Assistir a suas peripécias sexuais me incentiva a buscar as memórias mais picantes de minha adolescência. Não as encontro. Posso contar nos dedos as vezes em que transei, e todas foram um fiasco que preferi apagar da memória.

Voltada para o público jovem e adulto, a série da HBO foi criticada por abrir mão da verossimilhança ao representar o universo adolescente. O dia em que uma série conseguir retratar a adolescência como ela é, o resultado será inassistível. Essa fase da vida, na real, é um porre. Prefiro sentir nostalgia por uma adolescência que nunca vivi.

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