Duas amigas jantam em um restaurante.
"Não tive coragem de contar essa história para ninguém, Mariana. É muito humilhante. Mas minha terapeuta me incentivou a me abrir com alguém em quem eu confiasse. Bom, aos sábados dou aulas de fotografia para adolescentes, é uma atividade extracurricular da escola. Geralmente chego, ligo o laptop no projetor e espero os filhinhos de papai chegarem atrasados com ressaca de Corote."
Mariana começa a tossir, a amiga segue falando.
"Daí, para quebrar o gelo, costumo abrir perfis de fotógrafos que tem um trabalho cafonérrimo. A gente passa mal com aqueles ensaios de grávida no Jardim Botânico, com filtro sépia, sabe?"
Mariana tosse com mais vigor. Seus olhos lacrimejam. Ela levanta os braços, engasgou com alguma coisa. Mas a amiga não se abala e continua a história.
"Adolescente não resiste a um bullying. Parece maldade, mas é meu dever como educadora. Os erros ensinam tanto quanto os acertos. Não sei quem disse isso. O Osho talvez?"
Mariana tenta respirar, desesperada. Está ficando roxa.
"Foi quando pipocou uma notificação de mensagem. Fiquei curiosa e abri com a tela projetada mesmo. Era uma periguete, com todo respeito, amiga, mas aquela sobrancelha pigmentada que parece uma gaivota desenhada por uma criança já bastava para defenestrar minha sororidade. Calma, que piora. Na mensagem, ela dizia que estava tendo um caso com meu marido havia quase um ano."
Um casal na mesa ao lado percebe que Mariana está passando mal. Por sorte, ambos são médicos e oferecem socorro.
"E você não sabe da maior. Acredita que ela estava revoltada porque meu marido estava com outra? Sim, uma segunda amante. A cara dos alunos, meu Deus. Na hora eu achei que fosse morrer."
Os médicos se preparam para fazer uma traqueostomia de emergência em Mariana usando uma faca de carne. Mas antes tentam a manobra de Heimlich uma última vez.
"E tem mais: depois fui descobrir que conhecia a outra da outra. Era recepcionista da academia que a gente malha. Enfim, minha reação na hora foi pedir um intervalo. Peguei minha bolsa e nunca mais voltei. E foi esse o motivo do divórcio."
Mariana cospe o pedaço de castanha que obstruía sua garganta. O restaurante todo aplaude.
"Nossa, que alívio. Eu tava engasgada com essa história."
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