Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária

Machismo apagou as mulheres primitivas, que caçavam como os homens

Cientistas com visão limitada moldada pelo gênero, porém, catalogam suas ferramentas como utensílios de cozinha

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Nas montanhas dos Andes, em 2018, um grupo de arqueólogos encontrou uma ossada humana do período paleolítico acompanhada de uma coleção de ferramentas para caça de animais de grande porte. A equipe supôs que se tratava de um caçador importante na comunidade, até uma análise dos restos mortais revelar que o corpo era de uma mulher.

Aprendemos na escola que os homens pré-históricos eram responsáveis pela caça, enquanto as mulheres coletavam frutas e vegetais e cuidavam das crianças. Quem assistiu ao desenho animado "Os Flintstones", sobre a rotina de uma família na pré-história, deve se lembrar da personagem Vilma, a dona de casa que sempre é surpreendida quando Fred chega do trabalho gritando seu nome, a constrangendo a servir o jantar.

Ilustração de uma mulher da caverna segurando uma lança em frente a uma caverna
Ilustração publicada em 12 de julho de 2022 - Silvis

E, quando pensamos na mulher primitiva, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a de uma desgraçada vestida de animal print sendo arrastada pelos cabelos. Um clichê imortalizado em charges e cartuns, sempre em tom humorístico, baseado no mito de que o acasalamento de nossos ancestrais funcionava assim.

Tudo isso é reflexo de teses tradicionais da paleontologia que já são consideradas mais arcaicas do que a pedra lascada. Os arqueólogos que encontraram a ossada nos Andes se debruçaram sobre casos semelhantes e concluíram que mulheres caçadoras eram tão comuns na América pré-histórica quanto homens.

Jamais saberemos, ao certo, como era a rotina dessa mulher, mas podemos imaginá-la saindo pela manhã, armada com seu arpão do-it-yourself, determinada a fazer uma mamãe javali chorar, deixando seu filho aos cuidados de um pai que passaria o dia tentando acender o fogo enquanto o moleque rabisca as paredes da caverna, arrancando o couro de um bisão imaginando quantos croppeds poderia fazer com aquilo, contando a mesma história, em volta da fogueira, sobre o dia em que caçou um mamute, e jamais sendo interrompida.

Uma mulher confiante de que quando chegasse o dia da caça, e não da caçadora, seria enterrada com honrarias que merecia. Se ela soubesse que, milhares de anos depois, um cientista com a visão limitada encontraria sua sepultura e catalogaria suas ferramentas como utensílios de cozinha —como aconteceu com muitas outras caçadoras—, perderia a fé na evolução humana.

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