Entre um trago e outro, uma amiga diz que quer me apresentar a um cara que pode ser "o amor da minha vida". Não sei de onde ela tirou que tenho agenda para isso, se mal consigo responder os GIFs de bom dia que minha mãe me manda no WhatsApp.
"Ah, mas ele é tão legal." Pior ainda. Eu não quero conhecer um cara legal. Eu quero conhecer um babaca mal resolvido e inseguro, que prometa tudo e não entregue nada, que faça eu me sentir mais sozinha ao lado dele do que sozinha de fato, para que eu tome consciência de que não preciso dele nem de ninguém para ser feliz.
Um cara legal jamais contribuiria tanto para o desenvolvimento da minha personagem. E ainda é um produto em falta no mercado, melhor passá-lo adiante para alguém que faça mais proveito.
Minha amiga tem a lua em Peixes e, talvez pelo excesso de água no mapa, tenta romantizar o romance, se é que isso é possível. Dormir de conchinha é bom, admito, mas acordar de uma ilusão amorosa vale mais a pena. Não é confortável, admito, e sim abrupto como pular de um trem em movimento, mas, passado o susto, observando de fora, você se dá conta de que o trem estava descarrilado e, se continuasse nele, aí sim seria uma catástrofe.
Não posso me dar ao luxo de desperdiçar meu maior talento. Quando sofro por amor, minha performance melhora absurdamente. Tipo o Senna correndo na chuva. Com a sensibilidade à flor da pele, cuido melhor de mim e dos outros, escrevo mais, produzo mais, ganho mais dinheiro. A dor de cotovelo é o motor do meu sucesso. O segredo da minha beleza é uma rotina de skin care à base de lágrimas.
Ofereço o melhor do entretenimento quando o assunto é minha vida afetiva. Histórias de superação repletas de reviravoltas, sobrepondo gêneros como humor do constrangimento, drama, terror. E essa ingrata que chamo de amiga tentando reduzir o relato do meu fim de semana a um spoiler não solicitado de uma série que maratonei a dois, uma resenha sobre um restaurante andino que acabou de abrir na Barra, e um desabafo antifeminista sobre o fato de ele ter curtido a foto de uma bunda qualquer no Instagram.
Pensando melhor, esse romance tem tudo para dar errado. Em mais uma reviravolta, topo conhecer meu prometido. Minha amiga deseja boa sorte. Boa sorte? Pelo visto, não entendeu a moral da história.
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