Mara Gama

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Projeto de incineradora em Mauá acende alerta

Uso de resíduos polui ambiente, destrói cadeia da reciclagem e corrói empregos

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Preocupados com o que consideram um perigo para o ambiente, a reciclagem e a atividade de catadores e catadoras, o Movimento em Defesa da Vida do Grande ABC e a Coopercata, cooperativa de Mauá, se reúnem nesta sexta, 29, para discutir a perspectiva de instalação de uma incineradora de resíduos na região.

Eles estão em alerta devido ao projeto de construção de uma unidade de recuperação energética (URE) em Mauá. A URE, de responsabilidade da empresa Lara Central de Tratamento de Resíduos, já tem Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) protocolados na Cetesb.

O Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) convocou audiência pública no próximo dia 12 de dezembro para discutir esses dois documentos, que estão disponíveis no site da Cetesb e nos links deste texto. 

De acordo com o que se lê no RIMA, a incineradora seria implantada em uma área de 72.025 m² e teria capacidade de queima de 3.000 toneladas por dia, em operação contínua de 24 horas (3 turnos de 8 horas).

O empreendimento trataria os resíduos sólidos urbanos (RSU) dos municípios de Mauá, Diadema, Ferraz de Vasconcelos, Itanhaém, Juquiá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, os mesmos atendidos hoje pelo aterro administrado pela mesma empresa.

A geração prevista seria de 77 MW. Numa parte do resumo do projeto estão outros produtos da incineradora: 545 toneladas diárias de resíduos e 455 toneladas diárias de escória. Também no documento, aparece a geração de gases: “Os gases gerados com a combustão dos resíduos sólidos na caldeira são compostos predominantemente de dióxido de carbono e água, além de outras impurezas com cinzas inorgânicas e pequenas concentrações de elementos que incluem cloro, enxofre, flúor e metais pesados”. 

Em seguida vem uma lista mais detalhada: “Assim, no processo de combustão são gerados componentes indesejáveis que serão removidos no sistema de tratamento de gases, incluindo:  Óxidos de nitrogênio (NOx); Materiais particulados;  Ácido clorídrico (HCl);  Ácido fluorídrico (HF); Dióxido de enxofre (SO2); Trióxido de enxofre (SO3); e Dioxinas e furanos”. 

Para Adolfo Homma, da Cooperativa Central do ABC, os riscos do processo são graves. “Em geral, esses empreendimentos são escolhidos pelo fator financeiro, porque aparentam ser mais econômicos. Mas há estudos que mostram que o custo de manutenção dos filtros de uma incineradora é de 60% a 70% do total, e isso traz risco de que não seja feita a troca de filtros de maneira adequada e assim se polua ainda mais o ambiente”, diz. “Se é instalada uma incineradora, ela precisa ser alimentada.  Os materiais recicláveis são os mais carburantes. Um dos resultados é que você vai tirar os recicláveis do mercado e com isso a sobrevivência dos catadores. Outro é que você coloca no ar material altamente poluente”, diz. 

Também em Santos, conforme reportagem do jornal Tribuna publicada no último dia 20, uma usina de energia a partir de lixo pode ser implantada no aterro sanitário Sitio das Neves. “Apesar de termos a PNRS (Lei 12.305/2010) muito clara em relação às prioridades que são não gerar, reusar e reciclar, e diretrizes claras na direção da compostagem e da reciclagem, vemos uma contramarcha no país. Pensar em incineradora é o inverso do que o mundo está fazendo. Na Itália, há mais de 400 cidades em programas de resíduo zero, que está ligado aos princípios de não aterrar e não incinerar”, afirma Elisabeth Grimberg, do Instituto Pólis, de São Paulo. 

Grimberg faz parte da Aliança Resíduo Zero que é signatária do Manifesto Contra a Destruição dos Resíduos Sólidos Urbanos e pelo Desperdício Zero, que foi publicado em setembro. Segundo o documento, o Brasil está vendo o uso de tecnologias que destroem resíduos recicláveis e compostáveis, como a incineração e o coprocessamento —que é o uso de resíduos nos fornos das indústrias de cimento—, como alternativas de gerenciamento de resíduos sólidos urbanos. 

A tendência estaria bem acomodada com o Programa Lixão Zero e na Portaria Interministerial Nº 274, medidas promulgadas pelo governo federal em 30 de abril de 2019, que indicam uma aposta na queima de cerca de 80% de matéria reaproveitável como solução para o gerenciamento de resíduos no país. 

Para Grimberg, as duas medidas dão aval para a incineração como solução para fim dos lixões e a prorrogação de vida útil de aterros.  “Além disso, as cimenteiras enxergam o resíduo como combustível barato, sem levar em conta os problemas de contaminação já confirmados em várias cidades do mundo”, diz.

De acordo com o manifesto, essas formas de usar resíduos implicam o fechamento de milhares de postos de trabalho ocupados por catadoras e catadores de materiais recicláveis, entrando em contradição com a PNRS, que recomenda a inclusão social e produtiva dessa categoria. 

O fim da cadeia de reciclagem é um dos principais problemas apontados: “ao utilizar-se as tecnologias de destruição dos resíduos, os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes ficam isentos de sua responsabilidade pós-consumo, contribuindo para esgotar recursos naturais finitos e agravando as mudanças climáticas”, diz o documento. 

“A incineração transforma milhares de toneladas dos mais variados materiais em trilhões de minúsculas partículas. Isso exige permanente controle dos gases que devem ser capturados, além de acondicionamento da escória e das cinzas tóxicas que posteriormente devem ser dispostas de forma ambientalmente adequada em aterros para resíduos perigosos, deixando um passivo de resíduos tóxicos para as futuras gerações”, afirma o manifesto. 

Segundo o texto, os incineradores geram em suas operações emissões atmosféricas de “poluentes orgânicos persistentes” (POPs), que são mutagênicos e carcinogênicos nos diversos compartimentos ambientais (ar, água e solo), como as quase imperceptíveis cinzas volantes, as escórias e as lamas tóxicas dos seus lavadores de gases.  

“Além dessa deficiência causada pelo processo de queima, apresentam elevados custos de implantação, operação e manutenção, comprometendo o orçamento público. Como resultado desse processo anacrônico de destruição da matéria-prima reciclável e/ou compostável, gera deficiência energética e interrompe o ciclo de vida do produto pós-consumo, se constituindo em um concorrente desleal da reciclagem, prejudicando as cooperativas de catadoras e de catadores de materiais recicláveis e, consequentemente, o mercado de trabalho”.

O manifesto contra a incineração se dirige a governantes, operadores de direito, organismos de financiamento públicos e privados, órgãos ambientais, empresas socialmente responsáveis e instituições públicas e privadas. 

Com 12 recomendações, pede que sejam priorizados os programas de coletas seletivas das frações orgânicas e recicláveis, separadamente do rejeito, assim como integrar amplamente a categoria das catadoras e catadores, em atendimento ao preconizado na PNRS e a Política Nacional sobre Mudança do Clima (2009).

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