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Catadores lançam campanha para fundo emergencial

Suspensão de contratos com prefeituras e de trabalhos avulsos impede atividade e aumenta a vulnerabilidade

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Cinco dias no plástico, quatro a cinco dias no papelão e de duas a oito horas nas latinhas. Essa é a estimativa de duração do coronavírus em algumas das superfícies, segundo estudo da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental).

E esses são materiais manipulados por catadores de recicláveis a toda hora, no Brasil inteiro. O Compromisso Empresarial pela Reciclagem (Cempre) estima que 90% de todo o material reciclável do Brasil passa literalmente pelas mãos dos catadores.

As estimativas são antigas, porque houve um desmonte de todas as estruturas de participação social nos órgãos do governo e dos levantamentos sobre populações mais pobres na atual gestão federal —o que hoje está fazendo muita falta, na hora de saber como fazer chegar os recursos do governo aos vulneráveis— mas o último levantamento dava conta de que 1 milhão de pessoas vive dessa atividade no país.

A parte mais fácil de atingir desses trabalhadores é aquela organizada através de associações e cooperativas. Mas há muitos outros catadores, trabalhando informalmente nas ruas. E ainda uma massa enorme que segue em condições degradantes em lixões nos municípios, sem rede de proteção e direitos.

Além do perigo de contágio com a manipulação dos materiais, há cooperativas que não estão conseguindo comercializar material estocado.

No último dia 26, Belo Horizonte suspendeu o contrato com as seis cooperativas de catadores de recicláveis que operam os oito galpões da cidade. Do total de resíduos gerados diariamente em BH, aproximadamente 35% são recicláveis. A coleta seletiva abrange 18% do total, sendo 2% recolhido pela prefeitura e 16% por empresas. No final da linha, estão catadores, separando todo o material para a venda.

Exatamente por ser um trabalho manual, ele foi cortado, para evitar a contaminação dos catadores. Não há ainda um prazo para retomada.

Neli de Souza Silva Medeiros, da CoperSole Barreiro, uma das cooperativas que teve o contrato suspenso, e também liderança mineira do Movimento Nacional dos Catadores, diz que a interrupção veio em boa hora. “Já estávamos vendo chegar, nos sacos de recicláveis, luvas e máscaras usadas”, diz. “Ficamos com muito medo. Somos trabalhadores como todos os outros. Precisamos de proteção”, diz Neli.

Andrea Froes, diretora operacional da SLU (Superintendência de Limpeza Urbana), diz que os catadores ainda têm recursos provenientes de meses já trabalhados e que a prefeitura providenciou a inclusão dos 800 trabalhadores que fazem catação para recebimento de uma cesta básica e um kit de limpeza. Ela diz também que os catadores podem pleitear o auxílio de R$ 600 anunciado pelo governo federal.

Em São Paulo, a prefeitura afirma que a coleta seletiva continua funcionando normalmente. A cidade tem 75% das vias com a seletiva porta a porta, 104 Ecopontos com Pontos de Entrega Voluntárias (PEVs) em Ecopontos e mais 3.440 PEVs distribuídos em unidades básicas de saúde, delegacias, escolas, e contêineres em condomínios residenciais. Há também o Recicla Sampa, projeto que lista pontos de descarte por tipo de resíduos e pode ser consultado.

Segundo a Amlurb, autarquia que cuida da limpeza pública em São Paulo, os funcionários dos 104 Ecopontos não estão manuseando os resíduos descartados. O descarte deve ser feito direto nas caçambas ou nos PEVs. Também para evitar a exposição à contaminação, os recicláveis não estão sendo triados manualmente por catadores cooperados que trabalhavam nas Centrais Mecanizadas de Triagem (Ponte Pequena e Carolina Maria de Jesus).

De acordo com a Amlurb, as 900 famílias de cooperados associadas às 25 cooperativas do programa socioambiental de coleta seletiva de São Paulo deverão receber durante três meses R$ 1,2 mil reais. Outros 1.400 catadores autônomos que trabalham no projeto Reciclar para Capacitar devem receber o recurso de R$ 1,2 mil mensais até o dia 14 de abril, sendo R$ 600 pagos pela Prefeitura e R$ 600 pelo governo federal.

São poucas as cidades com esse tipo de estrutura que permite manter a seletiva sem o trabalho manual dos catadores. Em São Paulo, a coleta de recicláveis até aumentou. Durante o mês de março, foram coletadas cerca de 7.741 toneladas de materiais recicláveis, aproximadamente 13% a mais do que o mesmo período do ano passado, que registrou 6.860. Dados referentes aos dois primeiros dias de abril, apontam um acréscimo de 30% de resíduos recicláveis comparado ao mesmo período do ano anterior.

Em todo o Brasil, milhares de catadores e catadoras envolvidos na coleta, triagem, prensagem e comercialização de materiais recicláveis tiveram que paralisar suas atividades em função da pandemia da Covid-19.

Para tentar garantir a segurança alimentar, a proteção e o bem-estar desses trabalhadores, o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR), a União Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis do Brasil (Unicatadores) e a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) lançaram uma campanha de doações para a criação de um fundo emergencial.

A Campanha de Solidariedade aos Catadores do Brasil quer “diminuir os efeitos drásticos que essa crise vem gerando para aqueles que tanto cuidam do bem-estar e do meio ambiente nas cidades brasileiras”.

“Apoiar esta categoria é também proteger suas famílias, seu bem-estar e criar uma grande rede de solidariedade. Um reconhecimento a milhares de brasileiros que, na lida diária, de sol e chuva, trabalham para que todos tenham um mundo possível”, diz a página de divulgação da campanha.
Dá para fazer depósito ou pagar com o PagSeguro.

O movimento dos catadores vai aproveitar a campanha para fazer um grande mutirão de atualização do cadastro de mais de 1.600 associações e cooperativas do Brasil, além do mapeamento dos catadores informais.

A Amlurb recomenda que durante o período de quarentena os sacos de lixo sejam reforçados para evitar o contato dos coletores com possíveis resíduos contaminados. Os materiais deverão ser ensacados duas vezes em sacos resistentes, descartáveis e com enchimento de até dois terços da sua capacidade.

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