Mara Gama

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Manobra para passar a boiada na mata atlântica

Revogação de despacho pelo Ministério do Meio Ambiente faz parte da estratégia parecer e canetada

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Nesta quinta (4), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) revogou o Despacho 4.410/2020, de 6 de abril, que anistiava invasões e crimes ambientais de áreas que tinham sido ocupadas e desmatadas na mata atlântica até 2008, com cancelamento geral de multas. Apesar de parecer boa notícia, não houve recuo do governo na direção do desmonte da proteção ambiental.

No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro, representado pelo advogado-geral da União José Levi, protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade para que seja declarada nulidade parcial de dispositivos do Código Florestal (Lei 12.651/2012) que impedem a aplicação do regime ambiental de áreas consolidadas a áreas de preservação permanente inseridas no bioma da mata atlântica, e com isso esvaziam o conteúdo do direito de propriedade e afrontam a segurança jurídica.

O objetivo do governo, ao acionar o STF, é o mesmo do despacho que foi revogado: passar a boiada a que se referia Salles na reunião ministerial dos vampiros do dia 22 de abril, incentivando ainda mais a tática da floresta no chão.

O despacho recomendava aos órgãos ambientais (Ibama, ICMBio e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico) que desconsiderassem a Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006) e aplicassem regras mais brandas constantes do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) para áreas ditas consolidadas, nas regiões de domínio da mata atlântica.

A Fundação SOS Mata Atlântica já havia entrado com uma Ação Civil Pública (ACP), em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa), contra o despacho.

O SOS não considera uma vitória a revogação do despacho. A organização tem uma petição pública para que o STF defenda a integridade da lei da mata e pretende entregar aos ministros do supremo os mesmos estudos técnicos que reuniu na ação demonstrando o impacto do afrouxamento das leis.

Para a gerente de águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, o procedimento do ministro faz parte da política de teste permanente das instituições que o governo pratica. O resultado é que a sociedade deve ficar em permanente estado de alerta, porque todo dia vem uma bomba.

Um lado positivo – se é que dá para dizer isso – é que o desmonte aos sistemas de conservação do meio ambiente está sendo tão intenso e tão evidente que mais pessoas acabam se conscientizando. “O governo acabou fazendo propaganda. O Brasil não tem uma Greta, mas tem um Salles”, brinca.

Área de desmatamento na mata atlântica, no sul da Bahia - Folhapress

Dá para comemorar a retirada do despacho do ministro do Meio Ambiente que regulamentava invasões anteriores a 2008 na mata atlântica?

Malu Ribeiro: A retirada do despacho não nos surpreende. É uma prática usada pelo ministro Salles desde que ele era secretário do meio ambiente em São Paulo. Ele fazia despachos embasados em pareceres jurídicos sobre temas que queria mudar. Se não dava certo, se o despacho encontrava alguma resistência, ele recuava. E assim fez nesse caso da Lei da Mata Atlântica.

A Fundação ingressou com ação civil pública na Justiça Federal para cancelar o despacho e essa ação ainda está em juízo. Independentemente da decisão, nós levaremos ao STF toda a documentação e os estudos que já estavam reunidos e que mostram os prejuízos enormes à Mata Atlântica caso o despacho fosse mantido.

Na ação que o governo ingressou no STF, eles pedem para manter o que dizia o despacho. É o mesmo procedimento da nomeação da direção da PF. Eles suspendem um ato e reapresentam o mesmo conteúdo de outra forma.

A gente está entendendo que essa forma de agir do governo é para testar as instituições. O caminho correto de mudar as leis seria o Congresso. Mas, como não querem submeter as mudanças ao Congresso, eles testam com esses despachos e expedientes do tipo. Quando há reação, para não perderem na Justiça, eles retiram a ação e levam o tema ao STF. É o “parecer e canetada”. Isso faz com que a sociedade tenha de ficar alerta o tempo todo. Dá um trabalho danado, um gasto de energia terrível. É um preço alto.

Parece que as leis de proteção ambiental nunca estiveram tão em risco. Há algo a celebrar no Dia do Meio Ambiente?

Acho que sim. A gente tem de comemorar a união de vários setores da sociedade. A Mata Atlântica é patrimônio declarado na Constituição. Se o governo não respeita o bioma, não está respeitando a Constituição. Durante a campanha eleitoral presidencial, parecia que a questão ambiental estava em segundo plano, esquecida. A partir das queimadas da Amazônia do ano passado, que acabaram ocasionando até a chuva negra na avenida Paulista, parece que as pessoas perceberam a conexão entre as coisas. Perceberam que a defesa da Amazônia e das florestas é vital para a manutenção da vida e da economia não só na floresta, mas no país todo.

O governo acabou fazendo uma propaganda da causa ambiental que nós não estávamos conseguindo fazer. O Brasil não tem uma Greta, mas tem um Salles. E a sociedade acabou percebendo. Acho positiva a reação da sociedade, que tem se manifestado contra a devastação. Esse é um ponto.

O outro ponto é que, embora o desmatamento tenha aumentado na mata atlântica, temos nove estados do bioma mantendo desmatamento zero, o que é uma sinalização positiva da parte dos governos estaduais envolvidos. Os campeões de desmatamento foram Minas Gerais, que tem uma parte dos resultados ligados aos desastres de Mariana e Brumadinnho, e em seguida vêm Paraná e Bahia, que tiveram desmatamento ligado ao avanço do agronegócio, que tem respaldo no discurso do presidente.

Na região metropolitana de São Paulo, a ausência de políticas habitacionais aumenta o uso das áreas de manancial e o desmatamento para esse tipo de ocupação. Nos Estados do Rio e do Espírito Santo, houve aumento da cobertura vegetal. Acho que o que tem ficado evidente é que o fator que mais prejudica o meio ambiente é o governo brasileiro.

No Brasil, existe a perspectiva de aumento das emissões de carbono no ano, pelo aumento do desmatamento e também pela manutenção de gado no pasto devido à pandemia. E nos rios, houve alteração da poluição?

Já estamos verificando a piora na qualidade das águas. Existe um aumento da pressão sobre os recursos hídricos, porque o principal meio de evitar o contágio do coronavírus é lavar as mãos e lavar tudo. Aumentou também o uso de produtos de higiene e limpeza, que não são necessariamente biodegradáveis.

Além disso, grande parte da população que não tem saneamento básico em casa passava o dia em locais de trabalho que estavam ligados à rede de esgoto. Ficando em casa, a quantidade de dejetos jogados diretamente no ambiente aumentou. Como estamos em período de seca, podemos ter uma falsa impressão que a poluição diminuiu, porque não vemos tão frequentemente ilhas de PET nos rios urbanos, mas a poluição invisível aumentou.

Na Bacia do Tietê, que seguimos monitorando, nossas medições de abril e maio mostram aumento da concentração de poluentes como fosfato, que vem dos saponáceos, e do nitrato, que provém da urina. Por causa da pandemia, não estamos fazendo medições em outras bacias, para proteger os voluntários que faziam este trabalho.

Com o distanciamento social, é mais difícil mobilizar as pessoas. Como a SOS organiza a resistência em defesa da mata atlântica?

A pandemia explicitou como a nossa sociedade é desigual nas coisas mais básicas como o acesso à água, que resulta na impossibilidade de higiene. As iniciativas da sociedade para atacar esse problema, em ações voluntárias e solidárias, têm sido espetaculares.

Acho que as pessoas podem se engajar de muitas formas virtuais. O SOS entrou com uma petição pública em defesa da integridade da Lei da Mata Atlântica, que não se limita à defesa contra o despacho do ministro, agora revogado. O SOS quer unir todos nessa luta.

Lives do Dia do Meio Ambiente

O movimento de sustentabilidade, educação e cultura Green Nation promove um evento virtual de seis horas de duração a partir das 10h deste dia 5 de junho. Filósofos, artistas, cientistas, educadores, representantes de comunidades com visões sobre os impactos da pandemia de Covid-19.

São oito temas de conversas: “Sala de Aula, Sala de Casa - A Lição em Casa”; “Receita Perfeita. Da terra à digestão”; “Querer Menos, Ser Mais - Consumo Consciente”; “O mundo pode ser diferente - O mundo pós Covid-19”; “Meu Corpo, Meu Mundo - Bem estar físico e mental”; “Conexão com a Natureza - Como ela pode salvar nosso futuro”; “Enquanto isso, na Amazônia... - Amazônia em Chamas” e “Mi casa, su casa - E nós, pra onde vamos? O futuro é inovador?”.

O convidado especial do evento é o cientista e ativista Fritjof Capra, autor de “O Tao da Física”, “O Ponto de Mutação” e “A Teia da Vida”. Participam também Ailton Krenak, Sidarta Ribeiro, Eliane Brum, Bela Gil, Viviane Mosé, Pedro Hartung, Helio Mattar, Denise Hamú, Mauricio Bianco, Caetano Scannavino Filho, Aretha Medina, Nik Sabey e André Carvalhal.

Dá para ver a programação completa no site do Green Nation. É possível assistir pelo canal do site no Facebook e pelo YouTube.

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