Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Marcelo Coelho
Descrição de chapéu

O caso do sr. Eusébio

Solução para o julgamento de Lula no STF será, no máximo, um acerto para minimizar o desastre

Ilustração
André Stefanini/Folhapress

Não gostaria de estar no lugar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, neste dia em que se decide (será mesmo?) a sorte do ex-presidente Lula.

Nenhuma decisão do STF parecerá legítima e aceitável a todos, por melhores que sejam os argumentos em que se baseia.

O problema é que existem argumentos bons dos dois lados. Se ao Supremo cabe defender a Constituição, não há dúvida de que o texto do artigo 5, inciso 57, é bem claro: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

É preciso fazer bastante ginástica para dizer que com isso se pode prender alguém antes de esgotados todos os recursos da defesa.

Mas também se pode entender que os autores da Constituição não estavam iluminados pelo Espírito Santo, mas sim pelo clima da época —​que era o de reação aos abusos do regime militar. Ninguém em sã consciência desejaria que réus com culpa plenamente comprovada ficassem até 20 anos prolongando com recursos artificiais o seu processo —até a prescrição das penas.

Entre seguir o espírito e a letra da Constituição, há escolas e escolas de pensamento jurídico defendendo uma coisa e outra. Como há escolas e mais escolas discutindo até que ponto um crime pode ser considerado provado ou não.

Suponha que eu, Marcelo Coelho, seja acusado de ter recebido do presidente da OAS um apartamento no Guarujá, em troca de favores junto à diretoria da Petrobras. Digo, naturalmente, que nunca encontrei o presidente da OAS, nunca soube de nenhum apartamento no Guarujá, não mando na Petrobras, e que essa acusação carece de prova.

Mas suponha que eu de fato tenha encontrado o presidente da OAS, visitado um apartamento no Guarujá, que aliás já tinha reservado para mim, que minha mulher tenha supervisionado detalhes da reforma e que eu tenha nomeado diretores da Petrobras, que por sua vez comprovadamente ofereceram vantagens para a OAS.

Não será suficiente dizer que estão me acusando sem provas.

O sr. Eusébio (nome fictício) foi encontrado num quarto fechado por dentro, ao lado de um cadáver crivado de balas, com um revólver na mão, sem outras impressões digitais que as dele próprio. As câmeras comprovam que ele e o morto foram os únicos a entrar no aposento.

Mas o sr. Eusébio alega inocência: "Não apertei o gatilho; não quis matar ninguém, não sou assassino". Continua: "Prove que eu APERTEI o gatilho!" Responderei apenas: "Se não foi você, quem foi então?"

O sr. Eusébio dirá: "Isso não é minha função, não estou aqui para acusar ninguém!" Ou pode afirmar, quem sabe, que um espírito maligno subitamente encarnou num boneco de madeira, e pressionou seu dedo indicador de modo a realizar o disparo. Ele me desafia: "Prove que não foi assim!"

Não, companheiro. Meu bom senso dirá que ele está mentindo. Não, insistem seus defensores: nada foi provado!

Condeno-o, enfrentando os xingamentos que tiver de enfrentar.

Mas voltemos ao problema de Rosa Weber. Em 2016, ela não apoiou a interpretação constitucional que permite prender alguém depois da condenação em segunda instância.

Com o assunto voltando à baila no julgamento de Lula, ela tem a chance de impor, num plenário instável, sua visão sobre esse ponto.

Ao mesmo tempo, a ministra tem enfatizado que obedece à maioria do Tribunal, mesmo quando em desacordo com suas ideias. Por isso, confirmou decisões prendendo condenados em segunda instância, pois esse era o entendimento do STF.

Ela segue o colegiado, mas o que fazer quando o colegiado está pronto a mudar de opinião, sendo que essa mudança depende só do seu voto de minerva? Terá de obrigar o colegiado a ser fiel a si mesmo, quando o colegiado não quer isso!

Terá de pagar com uma desavença consigo própria para garantir a coerência que o STF não tem.

A única saída, ao mesmo tempo política e jurídica, que consigo ver para o caso seria separar as questões. O caso de Lula teria de ser julgado como todos os demais, determinando-se sua prisão.

Feito isso, o STF concorda em examinar, logo mais adiante, a questão de fundo sobre prisão em segunda instância, liberando Lula —e tantos mais— daqui a alguns meses. Minimiza-se o desastre, até uma segunda ordem, ou terceira instância, ou quarta reviravolta — não sei mais.

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