Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Descrição de chapéu Eleições 2018

No STF, xenofobia, racismo e liberdade de expressão entram na balança

Supremo examinou nesta terça (28) denúncia contra Bolsonaro por racismo

"Alguém viu japonês pedindo esmola por aí? Porque é uma raça que tem vergonha na cara. Não é igual a essa raça que tá aqui embaixo, ruminando". Quilombolas? De tão acomodados, "nem para procriador eles servem mais".

"Eu tenho cinco filhos, foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e aí veio uma mulher."

Por essas e por outras —como a consideração sobre as "sete arrobas" dos quilombolas que ele viu em Eldorado Paulista—, o candidato Jair Bolsonaro, do PSL, foi denunciado pelo Ministério Público.

Pediu-se a abertura de processo pelo crime de racismo, e que Bolsonaro seja punido com dois anos de prisão e multa por "danos morais coletivos", no valor de R$ 400 mil. 

Pela lei 7.716, a pena se aplica a quem "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

O caso caiu na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, composta por uma maioria de condenadores: Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Alexandre de Moraes, com o contrapeso de Marco Aurélio Mello.

Foi de Marco Aurélio, em 2016, o único voto favorecendo Bolsonaro em outro processo —o do ataque à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), que não "merecia ser estuprada", segundo o atual candidato. A maioria decidiu pela abertura de um processo criminal, que, por enquanto, continua parado na fase dos depoimentos de testemunhas.

Nesta terça-feira (28), depois de decidir sobre um caso de furto de xampu, a Primeira Turma examinou a nova denúncia contra Bolsonaro.

Para a defesa, cumpria salvaguardar a liberdade de expressão. Acusá-lo de fazer "discurso de ódio"? Mas criminalizar sua conduta não seria "ódio ao discurso"?

Ademais, citaram-no de forma desconexa. A intenção de Bolsonaro era criticar políticas públicas --que impedem o acesso a nossas riquezas minerais, por exemplo.

Racismo? "Numa palestra proferida na Hebraica?" O advogado se espantava. Nenhum judeu aceitaria isso. Como falar em "incitamento", sem levar em conta o público a que o candidato se dirigia?

Como relator do caso, Marco Aurélio foi o primeiro a votar, citando o pensador Norberto Bobbio.

A discriminação, diz Bobbio, começa num julgamento de fato, reconhecendo diferenças inegáveis de nacionalidades e grupos. Em seguida distingue, valorativamente, entre "superiores" e "inferiores". Numa terceira fase, decisiva, a discriminação prevê tratamento distinto aos grupos anteriormente desvalorizados. É aí que nasce o comportamento reprovável.

As frases de Bolsonaro entraram nessa terceira fase? Bolsonaro valorizou negativamente os quilombolas; mas não propôs tratamento diferenciado, não defendeu sua eliminação, seu extermínio.

O candidato também criticara os venezuelanos que "enchem ambulâncias" para buscar tratamento médico aqui.

Tratava-se apenas, para Marco Aurélio, de uma crítica à política brasileira de receber refugiados automaticamente. Na Câmara, Bolsonaro fez discursos equivalentes. A imunidade parlamentar, disse o ministro, teria de ser respeitada.

Para Luís Roberto Barroso, as frases sobre a filha mulher "ultrapassavam todos os limites do erro, sem transpor, entretanto, os limites do crime".

Já com relação aos quilombolas, a terminologia bolsonariana era mais grave, equiparando negros "a bichos".

Quanto aos gays, pior ainda. "Se eu vir dois homens se beijando na rua, eu vou bater", disse Bolsonaro. Para Barroso, era discurso de ódio, chegando à "apologia do crime".

A frase homofóbica foi citada na denúncia; mas faria parte formal das acusações, num caso de racismo? A questão não ficou resolvida.

Sem julgar previamente, mas examinando o mero recebimento da denúncia, para abertura de um processo, Rosa Weber seguiu Barroso.

As frases de Bolsonaro eram "extremamente infelizes", disse Fux. Mas ao falar em "arrobas", ele se referia mais à "saúde" dos quilombolas do que à sua suposta animalidade.

"Tenho no meu gabinete um título de negro honorário", informou o ministro. Mas a liberdade de expressão prevalece: não se pode exigir do candidato um discurso "que ele não sabe fazer". Cabe criticá-lo, mas não censurá-lo penalmente.

Dois a dois. Alexandre de Moraes adiou o desempate para a semana que vem.

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