Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Marcelo Coelho

Num plenário firme na defesa da Ficha Limpa, Fachin se destaca na defesa de comitê da ONU

Negar decisão da ONU resulta em enfraquecimento do cidadão, frente ao governo e ao Judiciário

À primeira vista, o caso era simplíssimo. Existe a Lei da Ficha Limpa. Lula foi condenado. Não poderia ter, portanto, seu registro aceito pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Com alto refinamento técnico, a defesa do ex-presidente levantou argumentos variados para contestar a tese.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, como se sabe, emitiu um parecer apontando os riscos de desrespeito aos direitos de Lula, requerendo que sua candidatura prosseguisse.

O Brasil reconheceu a efetividade desse órgão internacional; o pacto de defesa dos direitos civis e políticos, que o comitê fiscaliza, foi incorporado à nossa legislação. De que adiantaria assinar o pacto, sem respeitar o que decide o órgão encarregado de zelar por ele? 

Além disso, prosseguiu a defesa, já tivemos no Brasil 145 prefeitos eleitos, mesmo sem ter seu registro aceito na Justiça Eleitoral.

O relator do caso, Luís Roberto Barroso, não se deixou convencer. Em primeiro lugar, porque o Comitê da ONU não é um órgão jurídico. É composto por peritos, que nem sequer ouviram os argumentos do Estado brasileiro.

 

A decisão veio simplesmente a partir do pedido do candidato. Não era uma decisão definitiva, aliás: tratava-se apenas de uma manifestação preliminar. Seria necessário, aliás, que o presidente da República promulgasse o protocolo pelo qual o Brasil aceita as regras de funcionamento do Comitê. Isso não aconteceu.

Pior. A rigor, o órgão da ONU não estava levando em conta o próprio texto do pacto dos direitos civis.
O que este exige é que nenhuma candidatura seja barrada de modo "infundado". Ora, não há nada de "infundado" em negar o registro de Lula. Os fundamentos são claros, e estão inscritos na Lei da Ficha Limpa. Não há abuso em aplicar o texto impessoal da lei.

Por fim, o recurso ao comitê da ONU só se justificaria depois de esgotados os instrumentos legais do candidato junto aos tribunais de seu país.

Sem dúvida, os tribunais superiores, STF e STJ, poderiam suspender a inelegibilidade de Lula, até numa liminar. Mas não fizeram isso.

Ao TSE só resta, para Barroso, seguir o previsto na Lei da Ficha Limpa. A candidatura de Lula terá, para ele, de ser substituída por outra no prazo de dez dias.

Luiz Edson Fachin divergiu, destacando o papel decisivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Sem dúvida, falta um decreto presidencial assimilando, no sistema legal brasileiro, a existência desse conselho. Só que, para Fachin, esse decreto não é imprescindível. A Constituição não o exige.

De modo geral, interessava a Fachin firmar o princípio de que, na defesa dos direitos humanos, é perigoso dar autonomia a cada país. Os poderes locais não podem, nessa área, fazer o que bem entendem.

Negar uma decisão da ONU —mesmo se esta for provisória— resulta em enfraquecimento do cidadão, frente ao governo e ao Judiciário do país em que vive.

Lula é inelegível pela Lei da Ficha Limpa, repetiu Fachin. Mas, em face do que decidiu o comitê, era preciso reconhecer que ele tem o direito, mesmo preso, de se candidatar. Era preciso curvar-se à ONU.

Talvez ainda mais fascinada pela questão internacional, Rosa Weber foi detalhadíssima na análise das atribuições do Comitê, comparando-as com outros órgãos de defesa global dos direitos individuais.

A maioria, em todo caso, formou-se sem tanta disposição para essa polêmica.

Jorge Mussi reafirmou burocraticamente as teses contra Lula. Na mesma toada, Og Fernandes leu trechos do voto de Barroso, que fora distribuído anteriormente.

A Constituição brasileira supõe "probidade e moralidade" de um candidato, lembrou Admar Gonzaga; a Lei da Ficha Limpa é consequência disso, e o parecer da ONU não a supera.

Decisões perfeitamente legítimas do TSE, rejeitando por exemplo candidaturas sucessivas à reeleição, correriam o risco de contestação internacional. Estaríamos revogando mais do que a Ficha Limpa, concluiu Gonzaga.

Falando rápido, com fluência técnica, Tarcísio Carvalho insistiu na validade da Lei da Ficha Limpa. 

Sim, candidatos podem fazer campanha, mesmo sem registro, esclareceu. Mas isso só acontece enquanto a sua inelegibilidade ainda está sendo discutida nos tribunais. Em harmonia com o Supremo Tribunal Federal, o TSE não poderia esquecer a Ficha Limpa, nem deixar de aplicá-la, desde já, no caso Lula.

Complicações à parte, não havia como virar o jogo em favor do ex-presidente.

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