Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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O valor eterno das notícias inúteis

Dentes de freira, chineses surfistas e pés de sapato fazem o prazer do jornalismo

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Em plena confusão com os debates sobre o "brexit", os jornais britânicos encontram tempo (e espaço) para tratar dos assuntos mais improváveis. Seleciono algumas notícias que podem ter passado despercebidas na passagem do ano.

Confirmando novamente as teorias de Darwin, os elefantes de Moçambique estão nascendo sem suas presas de marfim.

A razão é que, dada a procura pelo produto (proibido em muitos países), caçadores exterminam os animais dentuços. Sobram os sem presas, que então se reproduzem.

Quanto aos ratos, uma pesquisa tende a inocentá-los da culpa por transmitir a peste negra. Pesquisando um surto recente da doença, na Escócia, em 1900, historiadores verificaram que todos os ratos capturados e mortos pela população tinham o sangue livre da bactéria. Era de pulga humana para pulga humana que a doença tinha se alastrado.

Ilustração
André Stefanini/Folhapress

Outra pesquisa mostra que, na Idade Média, não só monges se dedicavam a pintar iluminuras nos textos sagrados.

Algum pesquisador maluco fez a análise microscópica dos dentes de uma freira, morta no século 11. Encontrou fragmentos de tinta azul, sem dúvida porque a freira, nas suas horas de trabalho, molhava o pincel na boca para afinar a ponta.

Enquanto o Vaticano —com freiras, refugiados africanos e membros da Guarda Suíça— organiza sua primeira equipe de atletismo para a Olimpíada de 2020, uma nova ameaça vem da China.

Buscando a hegemonia em todas as áreas do esporte, os chineses atacam uma modalidade até há pouco desprezada.

O surfe era visto como ocupação de preguiçosos e certamente não correspondia aos padrões mais aritméticos de competitividade vigentes no mundo olímpico.

Com a inclusão do surfe —ao lado de skate, escalada e beisebol/softbol— nos Jogos de Tóquio, a China passou a investir no esporte, contratando o legendário Peter Townend, primeiro campeão de surfe internacional da história, e treinando na Califórnia. Nossas chances talvez já se tenham reduzido, também nisso.

Não sei se na China isso é comum, mas a Inglaterra se apronta para uma novidade tecnológica, a ser testada em algumas cidades com grande população estudantil.

É o robô com seis rodas, que entrega pizzas a qualquer hora do dia ou da noite. Com câmeras e radar, atravessa ruas e sobe escadas.

Notícias desse tipo, sem outro valor que não o da pura curiosidade, ocupam às vezes meia página dos jornais britânicos --que, para minha surpresa, não separam muito as reportagens por assunto.

Sem fazer parte da pauta política ou econômica, uma notícia dessas pode entrar na página 3 ou na página 9 do primeiro caderno, como se houvesse a certeza de que o leitor não "pula" partes do jornal em busca dos assuntos que mais o interessam.

É um tipo de jornalismo mais "antiquado", e não espanta que os jornais mais conservadores sejam especialmente ricos em excentricidade.

O Daily Telegraph chama a atenção. Até as cartas dos leitores são curiosamente malucas. Um senhor ou uma aposentada, perdidos numa cidadezinha qualquer do interior inglês, não se preocupam em comentar os fatos do dia; escrevem sobre o que lhes vem à cabeça.

A fórmula não varia: "Senhor diretor de Redação, serei eu o único a perceber que..." E lá vem algo de totalmente inusitado.

Um leitor reclamou, esses dias, das dificuldades advindas de ter um pé ligeiramente maior do que o outro. Durante a semana inteira, o assunto foi debatido e comentado no jornal.

É outra concepção, talvez, da liberdade de expressão. Não apenas o "a favor" ou "contra", mas o capricho, a idiossincrasia e uma abordagem fantasiosa, se bem que não falsa, do mundo.

Sobre o artigo anterior, tratando de faróis, tive o prazer de receber algumas cartas também.

Um militar da reserva, faroleiro durante 23 anos, esclarece (epa!) que os faróis não estão propriamente desaparecendo; ficam automatizados. Dispondo de mecanismos mais precisos que o GPS, tornam-se importantes não só para a navegação marítima, mas também para os aviões.

Um velejador faz o elogio do farol de Abrolhos, "joia tecnológica" em pleno funcionamento, encomendada por Pedro 2º na França.

Funcionando ou não, os faróis brasileiros justificam, sou também lembrado, uma taxa sobre os navios que existe desde dom João 6º. Que os recursos obtidos os conservem.

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