Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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De volta aos gibis do Príncipe Valente

Herói nobre, sorridente e clássico de Hal Foster ganha reedição colorida no Brasil

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Pelo que conheço de histórias em quadrinhos, seus heróis costumam ser graves e sorumbáticos. O Super-Homem tinha sua Fortaleza da Solidão, e da tristeza de Batman nem se fala.

O Capitão América era um anticomunista raivoso; do Homem-Aranha não se conhecem as expressões faciais. Hulk não se caracterizava pelo bom humor, e, dessa turma, talvez apenas o Capitão Marvel seja um pouco mais sorridente nos gibis antigos.

A editora Planeta DeAgostini está relançando a coleção completa de um herói mais antigo ainda. Em álbuns de capa dura, um para cada ano a partir de 1937, volta às bancas o Príncipe Valente, criado por Hal Foster (1892-1982) após o sucesso de seu "Tarzan", publicado a partir de 1929.

Ilustração
André Stefanini/Folhapress

Foster não tem o virtuosismo de traço que tornaria célebre Alex Raymond, outro ilustrador do Homem-Macaco. O "Príncipe Valente", publicado em grande formato e todo colorido, encanta pelo detalhe infatigável de cada quadro, que parece sair de algum velho manual de cartografia.

A armadura, o punho da espada, as correias da aljava e a cota de malha do cavaleiro medieval aparecem em todas suas junções, bainhas, laços, filigranas e encaixes. Eis Valente aos farrapos depois de duro combate: o desenhista registra tudo com cuidado etnológico, sem dramatizar o acontecido.

Como todo bom quadrinista, Hal Foster sabe alternar as tomadas em "close" e as cenas panorâmicas. Mas a estas últimas —tropas embandeiradas, castelos ao longe, pântanos, desfiladeiros, penhascos— é que ele se entrega com mais prazer.

O mundo das onomatopeias não é explorado nas histórias do Príncipe Valente. Espadas se chocam em silêncio. Castelos desabam, embarcações se rompem e cavalos tombam sem os "thuds", "klangs" e "roars" que, junto com espasmos faciais e ângulos bizarros, abalam o sossego do leitor de Hulk.

Com toda a fantasia das histórias de cavaleiros e donzelas (há até alguns dragões), Hal Foster tinha grande empenho de fidelidade ao "real". Documentava a aventura, e com isso seu desenho vive o dilema entre o detalhe e completude.

Nos grandes confrontos entre cavaleiros e invasores bárbaros, o efeito é um tanto congestionado: 50 ou mais figurinhas, todas perfeitamente caracterizadas e coloridas como jujubas, procuram os cantos da imagem para se engalfinhar.

É como se Hal Foster quisesse que o leitor apreciasse cada cena individualmente, com o mesmo vagar dispensado a sua elaboração. A exemplo de "Flash Gordon", esses álbuns tampouco têm balões para a fala dos personagens.

É sobretudo essa característica que faz da arte de Hal Foster um híbrido entre o quadrinho e a ilustração. Somos obrigados a ler cada legenda, que antes descreve a cena do que teatraliza o acontecido.

O termo "legenda" vem ao caso. No fundo, os quadrinhos do "Príncipe Valente" são quase como fotografias de cenas heroicas, com uma explicação embaixo, como se fossem tiradas de um jornal.

A narrativa não apenas se paralisa em cada quadro, mas também a cada semana. Dado o intervalo de tempo, Hal Foster se encarregava sempre de retomar o fio da meada no primeiro canto da página.

"Depois de enganar o ogro com uma máscara, Valente derrota os ocupantes do castelo e leva a princesa Y... para seus aposentos." A moça é lindíssima, no estilo das loiras hollywoodianas da época. Com seu cabelinho chanel e sobrancelhas muito desenhadas, o príncipe é astro antigo também.

Noblesse oblige: sendo belo, enfrentará bárbaros pançudos, animalescos e crédulos. Estava pronto, contudo, a ajudar seus rivais, no amor e na guerra, quando se impunha enfrentar um mal comum.

E, mais do que tudo, o Príncipe Valente sabia rir. Não por sarcasmo ou zombaria, mas no ânimo positivo de quem tem a alma serena e limpa.

A cada semana, sua batalha, seus inimigos, seus ferimentos e suas vitórias. A longa saga do herói não tem fim; não se trata de salvar o mundo, não se trata de dizimá-lo num mar de sangue, não se trata nem mesmo de odiar ninguém. Cabe-lhe defender o que precisa ser defendido, e vencer, quando possível, o que deve ser derrotado, na alegria de um trabalho interminável, mas cumprido.

Altíssimo, magro e de barba branca, Clóvis Rossi não era um Dom Quixote; nunca o vi delirando com sonhos de grandeza. Era, no jornalismo, um "chevalier sans peur et sans reproche", sem medo e sem mácula. Esta coluna é para ele.

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