Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Coelho
Descrição de chapéu

Entre o mais ou menos e o pior não fica

O mercado de serviços e produtos para quem já não é mais pobre luta contra a crise

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O poeta e crítico José Paulo Paes (1926-1998) notou certa vez a falta de uma “literatura média” no Brasil. Referia-se a novelas policiais, livros de aventura ou histórias de amor que, sem notável mérito artístico, poderiam servir a leitores iniciantes como uma ponte para a obra dos grandes mestres.

Nunca soube direito o que pensar sobre isso. Mesmo na época em que ele escreveu aquele ensaio, era possível apontar autores brasileiros que cumpriam essa função. Jorge Amado, Paulo Coelho, Rubem Fonseca e Jô Soares estavam nas prateleiras de qualquer livraria de aeroporto.

Também era possível dizer que a literatura de entretenimento não precisa ser autenticamente nacional: best-sellers, nem todos ruins, suportam bem uma tradução medíocre —e uma história de terror funciona melhor num castelo escocês do que num condomínio em Bertioga.

De resto, o tempo do brasileiro para histórias escapistas vinha sendo ocupado pelas novelas; para uma literatura média, seria necessário um leitor medianamente alfabetizado.

5 estrelas brancas preenchidas pela metade de amarelo
André Stefanini/Folhapress

O mercado se deu melhor com a não ficção. Livros de história do Brasil, de autoajuda ou de filosofia popular contam com um bom número de autores brasileiros.

Procura-se menos fugir da realidade do que adaptar-se a ela, e os nossos sonhos de sucesso ainda se voltam para a prática. Pouca gente se conforma ao campo da pura fantasia.

E eu não queria falar de literatura, mas justamente da vida prática. Acho que, nas necessidades da vida cotidiana, começam a aparecer no Brasil empreendimentos “médios” como a tal “literatura média” de José Paulo Paes.

O caso mais evidente acho que é o Dr. Consulta —um serviço de exames e atendimento médico rápido, atrás de uma clientela intermediária, capaz de fugir da saúde pública mas sem dinheiro de sobra para médicos e laboratórios tradicionais.

Há filiais dessa rede dentro de shoppings populares —o que me parece simpático. Não tenho como atestar a qualidade do que se oferece. O fato é que se encontrou uma faixa nova e ampla de mercado (seria pouco dizer que é um “nicho”) nesse tipo de serviço.

Sem dúvida, isso é herança da ascensão de muita gente à classe média, produzida durante a prosperidade dos anos Lula. Ainda que tudo tenha piorado na economia, alguns hábitos, ganhos salariais e de educação se provam difíceis de reverter.

Antigamente, era carro, táxi ou ônibus. O Uber e o táxi pop encontram caminho entre os apertos da classe média.

Enquanto as livrarias —e mesmo as grandes redes—amargam uma crise definitiva, a Estante Virtual funciona oferecendo todo tipo de literatura (alta, média ou baixa) pela internet, unificando e racionalizando o mercado de livros usados em todo o país.

A internet funciona, naturalmente, em duas vias. Consegue-se um dinheirinho extra vendendo o que não serve mais em sites como o MercadoLivre. Quem precisa de professor particular procura no Superprof —e quem precisa de aluno também.

Imagino outros serviços —como personal trainer ou advogado— que também se voltem para quem deixou, mas não muito, de ser pobre. Advogados de todos os tipos sempre houve. Mas talvez seja o momento de se abrir algum tipo de escritório intermediário, que não precise exatamente de alguém aprovado na OAB.

Há bancos que funcionam sem agência, só pela internet. Assim como se alugam salas equipadas para empreendimentos de curto prazo, haveria mercado, eu acho, para secretários “part-time” —que cuidem de telefonemas, cartórios, formulários e compromissos no banco para várias pessoas ao mesmo tempo, um dia da semana para cada um.

Seria uma boa ter uma banquinha disso no aeroporto, ao lado da “quick massage”.

Inversamente, “personal trainers” e “coaches” poderiam atender dois ou três clientes no mesmo horário —estendendo para além dos mais ricos a sua demanda em potencial.

Ficaria rico, eu acho, quem abrisse um escritório só para resolver desavenças com as empresas de telefonia ou TV a cabo. Só de anotar o protocolo de cada atendimento eu já preciso dobrar a dose do 
meu remédio de hipertensão.

Tudo isso estaria a meio caminho entre a formalidade e a informalidade, entre a classe alta e a classe baixa, entre o luxo e a necessidade vital, entre as profissões liberais e o Estado, entre o biscate e a empresa. Uma nova precariedade, talvez, sem direitos e sem miséria. Na média. É o que dá —e olhe que estou sendo otimista.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.