Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Greta e o moralismo da picuinha

Críticas ao ativismo ambientalista da sueca são mais infantis do que ela

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Têm sido horrorosas as reações contra a ativista Greta Thunberg —e confesso que, em mim mesmo, ela desperta alguma antipatia. 

Mas não chego aos extremos que tenho visto. Passa-se da raiva ao desespero e deste à burrice. Fica ainda pior quando se pensa falar de um pedestal de racionalidade e de um desencanto supostamente “maduro”.

O engraçado de muitos dos que se consideram “maduros”, e desprezam a adolescente sueca, é que são os primeiros a se engajar na piadinha ginasiana, na criancice, na birra e na careta.

Muitos tipos de raciocínio capenga se combinam nessa atitude. Há o argumento da idade: “Ela é uma criança, não sabe de nada”. Há o argumento do “vamos devagar”: “Ela deveria cuidar primeiro de problemas locais em vez de dar lições para o mundo”. Há também, em contradição com o anterior, o argumento “ultrarradical”: “Se for para defender o meio ambiente mesmo, o certo é destruir todas as cidades do mundo e voltar a viver no mato”. Falo desses três.

Na ilustração, duas pessoas estão de perfil, uma de frente para a outra. A primeira tem cabelo preto e curto e está mostrando a língua. Já a segunda tem um cabelo loiro e longo e está com a boca aberta. As roupas seguem as cores dos cabelos e o fundo é azul
André Stefanini/Folhapress

É estranho, em primeiro lugar, ver crianças se mobilizando por uma causa qualquer. Minha primeira reação foi de certa repulsa. Estão repetindo, pensei, o que os professores ensinaram a elas.

Mas… e se for mesmo isso? O imbecil bolsonarista, por vezes de idade avançada, repete o que ouve por aí. Esquerdistas e direitistas podem ser igualmente “teleguiados”. Um militante do MST reproduz a visão de mundo de seus líderes “messiânicos”, mas também economistas de grande prestígio papagueiam por décadas o que aprenderam em Chicago.

Você pode dizer que, ao longo da vida, o seu idealismo se chocou com a dureza do mundo real. Desse modo, você não cai mais nas esparrelas em que caía quando jovem.

Só que o que você chama de “mundo real” é uma coisa muito restrita, muita seletiva. 

Ali por 1990, um amigo me dizia: “Não vejo mais ninguém de esquerda hoje em dia, isso acabou”. Claro —depois de se formar na USP, ele passou a trabalhar numa grande empresa; em vez de tomar cerveja nos barzinhos do Butantã, frequentava um “piano bar” na Oscar Freire. 

Tinha se tornado, como se diz, uma pessoa mais “madura”, “experiente”, familiarizada com o “mundo real”.

O mundo real desse amigo era o circuito Perdizes-Higienópolis-Jardins. Se vivesse num pequeno sítio de subsistência rodeado por pecuaristas armados, talvez a “realidade” lhe aparecesse sob outro aspecto.

Aí surge uma adolescente que vive na Suécia e percebe que o mundo real está ameaçado por uma catástrofe ecológica. É uma hipócrita, dizem os sabichões, porque vive num país rico. 

Ah, ótimo. Então deveríamos esperar que, vivendo num país rico, ela não se preocupasse com o meio ambiente? Curioso rigor ético: para deixar de ser hipócrita, ela teria de ser egoísta, irresponsável e ignorante.

Não, retruca o moralista. Ela teria de largar tudo e ir viver pelada na Amazônia! 

É o ponto em que o militante anti-Greta, antes adepto do “realismo” e da “maturidade”, vira um ginasiano, um adolescente: “Ou tudo ou nada”! 

Certa ou errada, Greta está pedindo providências globais, de largo alcance —coisa que nada tem a ver com o que ela toma ou deixa de tomar no café da manhã.

Surge então o moralismo da picuinha pessoal, logo transformado em baixaria. Como dizer, por exemplo, que Greta está fazendo esse barulho todo para enforcar as aulas na escola (talvez devesse, porque a escola está cheia de esquerdistas). 

Segunda baixaria, dizer que os adolescentes deveriam arrumar o quarto deles antes de pensar em arrumar o mundo. De minha parte, acho que tentar arrumar o mundo é um pouco mais importante.

Luiz Felipe Pondé não está sozinho. Algumas personalidades do meio intelectual francês implicaram com 
Greta Thunberg. 

Michel Onfray, por exemplo, a comparou a uma boneca de silicone pós-humana; Pascal Bruckner acha que seu rosto “mete medo”, e Bernard Pivot considerou que, no seu tempo, as adolescentes suecas eram bem
mais amáveis e convidativas.

Há filósofos muito mimados, com efeito.

Sim, eu estranhei o discurso de Greta na ONU; sem saber que ela tinha síndrome de Asperger, achei que falava de um modo decorado, como uma atriz mal-ensaiada. Foram palavras de acusação, sem simpatia, sem acenos de esperança. Greta não é um papa Francisco.

Claro, minha distância emocional face à aparência e às ideias de Greta nasce, provavelmente, do meu machismo e do fato de me sentir acusado também. Nem por isso é o caso de reagir infantilmente ao mal-estar que ela desperta.

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