Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Um filme com muito passado à frente

Fazendo concessões, aventura espacial de Ad Astra fica no meio do caminho

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Alexandra Loras

Brad Pitt dá um show de interpretação no papel do calmíssimo herói de “Ad Astra”, ficção científica de James Gray que entrou em cartaz.

Sangue frio é o mínimo que se exige de um sujeito capaz de se enfiar sozinho entre os asteroides de Netuno, para não dizer nada dos perigos enfrentados antes disso. Mas ele não pode ser um robô sem emoções.

Foi encarregado de estabelecer contato com seu pai (Tommy Lee Jones), também um astronauta, que por alguma razão está há muitos anos sem dar notícias, confinado a uma base perdida nos cafundós do Sistema Solar. 

Publicada nesta quarta-feira, 2 de outubro de 2019 - André Stefanini/Folhapress

O filme de James Gray suga inspiração em “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola, por sua vez baseado, como se sabe, na novela “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad. 

Basicamente, seria uma viagem em que, quanto mais o herói se afasta do ponto de partida, mais penetra na direção de um passado obscuro, de uma ancestralidade bárbara, de uma demência desesperada. Mas não sei se o filme de James Gray vai tão longe.

O que achei mais interessante em “Ad Astra” foi a naturalidade com que se desvia de um perigo muito comum em filmes de ficção científica. 

Em geral, imagina-se um futuro bem menos diferente do que teria de ser. As espaçonaves dos antigos seriados de Flash Gordon tinham portas com trinco, como se uma geladeira da década de 1930 tivesse ganho uma forma ovoide.

Em “Tropas Estelares”, borracheira inominável de Paul Verhoeven lançada em 1997, o astronauta se comunicava com a namorada graças a transmissões gravadas numa fita VHS.

O futuro tende a chegar mais depressa do que imaginam cenógrafos e diretores de cinema (com a notável exceção de Stanley Kubrick, cujo “2001 - Uma Odisseia no Espaço”, continua praticamente novo em folha).

“Ad Astra” não se preocupa demais com os riscos de anacronismo. O futuro que descreve não é mirabolante; parece ancorado de propósito na tecnologia que já conhecemos.

Há voos comerciais para a Lua, por exemplo. Mas o comportamento das comissárias de bordo, o tipo de “amenidades” à disposição dos passageiros, a própria rotina do embarque, não diferem do que experimenta um viajante de hoje em dia.

Exceto o fato de serem transparentes, os iPads e computadores de Brad Pitt não causariam espanto numa loja de eletrônicos de um shopping qualquer.

Os jipes utilizados para deslocamentos na Lua parecem ser de um modelo bastante antiquado —e não escondem as marcas de antigos arranhões e derrapadas.

Quanto mais o astronauta se distancia da Terra, mais “subdesenvolvido” é o ambiente. A base que ele visita em Marte tem todo o aspecto de uma repartição pública em petição de miséria, com uma atendente mal-humorada preenchendo formulários de papel. 

A nave onde Brad Pitt deve encontrar seu pai parece uma relíquia do século 20, com uma tela transmitindo cenas de um musical em preto e branco.

Tudo isso provavelmente sugere a ideia de que estamos chegando a algum tipo de limite no que se refere ao progresso tecnológico; que o máximo de expansão do “imperialismo terráqueo” bate numa impossibilidade, e que muitas de nossas esperanças têm de ser abandonadas.

Depois de encontrar o pai, o melhor que Brad Pitt tem a fazer é voltar para a velha mãe-Terra —simbolizada, no filme, pela fiel namorada dele (Liv Tyler, que já não é nenhuma mocinha).

“Ad Astra” seria bem melhor, a meu ver, se sua história se limitasse a isso. Mas há as exigências do cinema comercial —e, de tempos em tempos, o roteiro constrói situações artificiais de tiroteio, perseguição, sangreira e precipício. Com direito ao insuportável clichê da chuva de asteroides chacoalhando a espaçonave.

Viagens ao “coração das trevas” podem ser monótonas e, em “Apocalypse Now”, as cenas de tensão e violência que evitavam isso tinham uma justificativa —o contexto histórico do filme, as atrocidades americanas na guerra do Vietnã.

O contexto, hoje, seria o do aquecimento global; “Ad Astra” sugere isso, com a ideia de que há limites para nossa expansão, e que precisamos valorizar o planeta que temos. Mas o roteiro parece inseguro, reticente; mas não sei o quanto esta minha leitura se sustenta.

De resto, nosso planeta se torna cada vez menos acolhedor. Também a defesa do meio ambiente deixou de ser lírica, amorosa, contemplativa e “zen”. Não estamos mais diante da “mãe natureza”, da “floresta virgem”, de Gaia, ou outra mitologia panteísta, mas sim diante do rosto raivoso e acusatório de Greta Thunberg.

A jovem militante me provoca mais mal-estar do que admiração. Mas isso é tema para outro artigo.

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