Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Coelho
Descrição de chapéu Coronavírus

Cresce o 'bolsonavírus', e aposta no tumulto não é uma gripezinha

Com apoio do presidente, fanáticos civis e militares se preparam para a guerra

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alguns países dormiram no ponto com relação ao coronavírus, decretando suas quarentenas com uma ou duas semanas de atraso. O resultado se contabiliza em milhares de mortes.

Espero estar errado, mas acho que acontece a mesma coisa com o “bolsonavírus”. A cada dia se acumulam os sinais de que o presidente da República aposta no tumulto, na violência e na ruptura institucional, e tardam as medidas de contenção.

Ilustração do Palácio do Planalto com o sol baixo no fundo da imagem. O formato do sol lembra o de um vírus
André Stefanini/Folhapress

Por várias semanas seguidas, vemos Bolsonaro se confraternizando com os fanáticos de amarelo. Já não é de hoje a notícia de um tal “acampamento dos 300”, em que pessoas se dizem dispostas a morrer pela causa bolsonarista. Aparecem em vídeo de armas em punho.

Na famosa reunião ministerial, o presidente diz que é isso mesmo, e que é preciso armar a população em nome da “democracia” e da “liberdade”.

A cabeça dos extremistas funciona desse jeito mesmo, nós sabemos. Qualquer pessoa que se oponha a Bolsonaro é “comunista”: o rótulo vale até para Sergio Moro, Mandetta e Nelson Teich.

A demência é tão grande, que os ministros “equilibrados” parecem estar mais loucos ainda.

Assistindo ao vídeo completo da reunião, surpreendo-me com o otimismo de Paulo Guedes. Confia que a quarentena do coronavírus será como um período de “hibernação”, depois do qual os investidores sairão da toca, do mesmo modo que um urso com a chegada da primavera —faminto, disposto, animado.

Enquanto ele garante que suas reformas fortaleceram e fortalecem a “confiança do investidor”, um ministro fala em prender membros do STF e outra ministra diz que já está pedindo a prisão de governadores estaduais.

Quem será o mais louco? Quem pensa em prender o STF ou quem pensa que o “investidor” está “confiante” num governo desses?

A reunião dos ministros começou, na verdade, com um esboço de discordância interna com relação aos rumos da economia. Depois de Paulo Guedes, tomou a palavra o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

Sua intervenção continha críticas sutis ao ministro da Economia. Era tempo, disse Marinho, de esquecermos “dogmas” de qualquer natureza. Pelo contexto, dava para entender que ele se referia aos dogmas neoliberais.

Não apenas o Estado tinha de agir com maior ênfase, como dificilmente seria o caso de esperar investimentos externos no Brasil. As necessidades de reconstrução econômica de cada país farão com que seus respectivos recursos sejam absorvidos internamente, sem que dê para enviar muita sobra para cá.

Corria, desse modo, um começo de debate entre dois personagens que, sem estar no delírio de Damares ou Weintraub, preocupavam-se com algum tipo de rumo a ser dado aos negócios de Estado. Mas essa é a maior loucura de todas —achar que essa é a discussão que conta.

Bolsonaro interveio para falar do que realmente estava em jogo.

Impunha-se obter de todos os ministros declarações e atitudes de apoio à sua pessoa, atacada pelas tramoias da oposição. Impunha-se defender a “liberdade” e o “povo” contra seus inimigos —enfim, o destampatório que já se sabe.

Muitos ministros ficaram quietos. Mas o apelo às armas ficou no ar.

Surge então um documento do general Augusto Heleno, alertando para as “consequências imprevisíveis” que podem vir, caso o Supremo Tribunal Federal não tome as atitudes que ele, Heleno, acha adequadas.

O documento grotesco obteve apoio de dezenas de oficiais da reserva, vários deles generais. O grupo questiona o saber jurídico dos ministros do STF, acusa-os de “saborear lagosta e bebericar vinhos nobres”; prega a desobediência a ordens judiciais, e “alerta” para o perigo de uma guerra civil.

Trata-se de um alerta ou de uma ameaça? De uma ameaça ou de uma aposta?

A atitude mais comum, desde os tempos em que Bolsonaro era só candidato à Presidência, tem sido a de não dar atenção a esses extremistas. “Um grupo minúsculo… Nossas instituições são sólidas… Ninguém vai cair nesse tipo de coisa.”

A maioria da sociedade, com certeza, não apoia esses assassinos da democracia. Mas eles crescem, perdem o medo, e, com apoio do presidente, estão dispostos a se armar.

Nem todo mundo se contamina com o coronavírus, e proporcionalmente é baixo o número de mortos entre os infectados. Mas o estrago não tem sido pequeno.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.