Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Medo do impeachment entorpece a oposição

Por incrível que pareça, muitos brasileiros se sentem fracos diante de um pateta

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Fora algum incidente mínimo, as manifestações pela democracia e contra o racismo no domingo passado foram expressivas, bem organizadas e incapazes de dar pretexto a infiltrados e aproveitadores.

Talvez a movimentação contra Bolsonaro ganhe mais força a partir de agora.

Não é nenhum bicho de sete cabeças, afinal, sair às ruas com a devida máscara cirúrgica e todas as precauções de praxe.

Se o presidente e seus seguidores descreem do coronavírus, nem por isso precisam ter exclusividade nos atos de protesto.

E as ruas vinham fazendo falta na luta pela democracia.

Nunca vi tantos abaixo-assinados. Nunca cliquei tantos apoios a documentos na internet. O problema é que o mundo virtual, por mais que tenha lá suas estatísticas, não dá ideia da dimensão real das coisas.

Mil fanáticos de amarelo, com um presidente no meio, acabam projetando uma imagem superdimensionada de seu peso político.

Não minimizo a ameaça que representam. Muito ao contrário: estão se armando e naturalmente tendem a crescer, porque se julgam mais fortes do que são.

Colagem com fundo azul claro, mostra uma caixa a manivela com desenho do vírus do covid-19 desenhado, dele salta o palhaço Bozo numa mola.
André Stefanini

Como não havia manifestantes do outro lado, iam até acreditando que eram, de fato, a maioria da população.

Um pouco de gente real, protestando contra o fascismo, era indispensável. Se não houver vandalismo e violência (algo que lamentavelmente seduz parcelas dos manifestantes), é possível que a coisa cresça.

Agora começa a cair a ficha. A oposição anda intimidada, entorpecida e confusa, enquanto o bolsonarismo não para de avançar.

Não há sinal mais claro disso do que a quantidade de argumentos invocados contra o impeachment.

A saber: 1) não há maioria no Congresso; 2) se Bolsonaro sair, entra Mourão, o que não é vantagem; 3) se Bolsonaro não sair, ficará mais fortalecido ainda; 4) ele ainda tem apoio de um terço do eleitorado; 5) o momento agora é de unir forças contra a Covid-19, sem uma crise política por cima.

Este último argumento saiu um pouco de moda. Todos sabemos que Bolsonaro é o maior obstáculo ao enfrentamento do coronavírus. A tentativa de esconder os dados de letalidade é sua última proeza. Ele faz tudo o possível para espalhar a doença. Deseja o vírus com a mesma intensidade com que deseja as armas de fogo e as queimadas da Amazônia.

Passo aos outros argumentos.

Não há maioria no Congresso. Sim, pode ser verdade. Mas Bolsonaro tem se isolado cada vez mais. Quem poderia imaginar, há poucos meses, que Lobão, Moro, Joice e Janaina estariam na oposição?

No Brasil, o improvável acontece todo dia. Talvez o Congresso precise de mais alguns empurrõezinhos. Na eventualidade de novas mobilizações de rua, ou de novas barbaridades presidenciais, pode ser que se mexa. Só não vai se mexer se, mesmo entre opositores convictos de Bolsonaro, o medo do impeachment predominar.

E será estranho se o Congresso continuar apoiando as forças que pretendem fechá-lo.

Segundo argumento. Ah, de que adianta tirar um capitão para dar posse a um general? Poucos argumentos me parecem tão acovardados como este.

Na hipótese de uma vitória do impeachment, o clima político do país seria totalmente diverso. Estaríamos vendo um fortalecimento entusiasmante da democracia e uma recomposição radical do equilíbrio de forças. Mourão teria de se adaptar a esse esquema ou negociar uma transição.

Também pode acontecer de Bolsonaro vencer a batalha do impeachment, e sair ainda mais fortalecido. Mas não é bem assim. Trump não ficou melhor nem pior depois de confirmado no cargo.

Você pode dizer que o Brasil é diferente; mesmo antes de ser votado, o impeachment poderia dar pretexto para Bolsonaro dar o seu desejado golpe.

Discordo. Quanto mais forte a bandeira do impeachment, menor a sua ousadia. Ele é evidentemente um burro e um descontrolado. Lembro de 1992. Posto contra a parede, Fernando Collor se perdia em caretas, acessos e pronunciamentos desesperados. Foi seu próprio coveiro.

O rebanho bolsonarista só se mantém em um terço porque não está confrontado com a existência fatual dos outros 70%. Vive numa bolha. A loucura se transmite, como um vírus. Mas a razão também tem seus poderes: estaríamos na idade da pedra se não fosse assim. Com imensos esforços, o nazismo e o stalinismo foram derrotados. É incrível que tantos brasileiros se sintam fracos diante de um pateta.

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