Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Na cabeça de Bolsonaro, é como se vontade de matar valesse qualquer sacrifício

Primeiro, presidente ignorou a importância do isolamento social e, agora, ignora a da vacinação

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Vamos ver se estou entendendo direito. Quando Bolsonaro fez seus primeiros discursos sobre a pandemia, sua lógica era a de que uma quarentena traria desemprego, fome, crise econômica —e que isso poderia matar tantas ou mais pessoas do que a própria Covid-19.

Não vou discutir esse ponto, certamente errado. Apenas assinalo que era um raciocínio. Pois bem. Passam-se os meses, e aparece a vacina do Butantan, feita em parceria com a China. É a ideal? É melhor que outras? Não vou dar opinião. O fato é que está na frente, praticamente pronta para ser usada. Aplico então a lógica de Bolsonaro. A vacinação permitiria acabar com a quarentena, e a possível retomada de toda a atividade econômica que estivermos em condições de ter.

Se era para evitar as mortes do desemprego, da fome e da recessão, seria então o caso de correr atrás da primeira vacina que aparecesse. O risco de uma vacina “duvidosa” é menor, sem dúvida, do que o risco de ignorar a quarentena sem vacina nenhuma.

A prioridade antirrecessão de Bolsonaro justificaria, desse modo, a aceitação de qualquer vacina que viesse. Mas o governo faz o possível para atrasar a aprovação da vacina chinesa. Conclui-se que Bolsonaro não está pensando na retomada econômica —simplesmente não quer que a vacinação seja feita rapidamente.

Como bem disse o editorial da Folha deste domingo (13), trata-se de uma atitude assassina. Desenvolvo mais um raciocínio. Se a ideia era dar mais importância ao problema da recessão do que ao da saúde pública, Bolsonaro poderia agir de outra forma.

Poderia dizer que a quarentena é ruim para a economia e que o governo se opõe a isso, mas que, se todo mundo usar máscara e lavar a mão direitinho, os riscos de contaminação não são tão grandes assim.

Ao contrário: sempre que pode, Bolsonaro aparece sem máscara em lugares públicos, abraça criancinhas, dá o exemplo de como se contaminar. Novamente, o esforço do presidente não é o de manter a economia funcionando —é o de agir ativamente em favor do agravamento da pandemia.

Sim, ele se contaminou, junto de vários membros do governo. Teve sorte. E aí entra mais um fator na sua patologia mental.

Confinamento e máscara, diz ele, são “coisa de maricas”. Quem é macho não tem medo de se contaminar; provavelmente, acha também que quem é macho não morre. Covid e Aids se confundem
na ignorância sem fim.

Noto mais uma pequena contradição no conjunto desses absurdos. Bolsonaro defendeu, sem prova nenhuma, o uso da cloroquina. Um macho de verdade, desses que não usam máscara, deveria também achar que cloroquina é frescura, sinal de covardia.

Mas a cloroquina é uma beleza. Pode tomar sem medo. Surge a vacina do Butantan. Agora, Bolsonaro quer calma, relatórios, novos testes. Foi irresponsável com a cloroquina, virou cricri com a imunização.
Ainda uma vez, só se pode concluir que age a favor da pandemia.

Se é preciso exigir judicialmente que o governo apresente um plano de vacinação, há evidências fortes de que Bolsonaro não tem interesse em imunizar ninguém.

Homem boceja
Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em Brasília, Brazil, em 9 de dezembro de 2020 - Ueslei Marcelino/Reuters

Se foi preciso um “pool” da imprensa para contabilizar contaminados e mortos pela Covid, há evidências fortes de que Bolsonaro quer que ninguém ligue para a gravidade do problema.

O intuito assassino não poderia ser mais claro.

Outra contradiçãozinha que ajuda a provar esse ponto. No plano de vacinação finalmente enviado ao Supremo Tribunal, retirou-se a prioridade para a população carcerária e os quilombolas. Talvez porque
“bandido bom é bandido morto” e porque, pesando no mínimo “sete arrobas”, os quilombolas estejam fora de risco.

É vontade de matar: se tivermos de fazer vacinação, pelo menos podemos torcer para que esses aí fiquem de fora.

A vontade de matar é tanta, que o governo contraria até os interesses dos fabricantes nacionais de armas, permitindo a importação de pistolas a imposto zero. A vontade de matar é tanta, que eles até se deixam contaminar pela Covid-19 se mais gente seguir o exemplo.

Sem dúvida, é o militarismo no seu extremo de demência. Sou um herói: estou pronto a me arriscar num avião de bombardeio se uma bela explosão atômica matar milhões de pessoas.

De preferência, os do meu próprio país. Afinal, eliminar pobres, velhos, negros, índios, comunistas, bandidos e maricas sempre foi um sonho a ser realizado. Todo sacrifício —até o da própria vida— vale nesse objetivo. Isso é que é ser macho. Isso é que é ser herói da pátria.

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