Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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É preciso prender mais gente como Daniel Silveira antes que seja tarde demais

A democracia não sobrevive se continuamos com medo de militares e de extremistas

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Com tudo o que tem de bárbaro e repulsivo, o vídeo em que o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) ameaça os juízes do Supremo Tribunal Federal, o STF, acertou numa coisa. Foi ao lembrar que não se teve coragem para reagir às provocações do general Eduardo Villas Bôas, três anos atrás.

Ele era comandante do Exército e opinou, sabemos agora que em harmonia com a cúpula militar, sobre o julgamento de Lula pelo Supremo. Claro, seu tuíte usou meias-palavras. Mas era preciso dar-lhe um basta quando ele se fez intérprete dos “cidadãos de bem” no “repúdio à impunidade”.

Na época, o então ministro Raul Jungmann, que hoje faz bem em condenar o avanço dos golpistas, considerou “correta” a declaração do general.

Já é tempo de cessarmos com tantos rapapés diante da arrogância militar.

Antes do tuíte de Villas Bôas, houve pronunciamento mais grave, feito em 2017 pelo general Hamilton Mourão. Disse o seguinte: “Estamos numa situação de aproximações sucessivas, até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, ou então nós teremos de impor isso. Os poderes terão de buscar uma solução. Se não conseguirem, chegará a hora em que teremos de impor uma solução. E essa imposição não será fácil.”

Mourão não foi punido. Só foi para a reserva porque seu tempo como general atingira o máximo de 12 anos.

homens anônimos engravatados e com fardas oficiais atrás de grades
Ilustração de André Stefanini para a coluna de Marcelo Coelho de 24 de fevereiro de 2021 - André Stefanini/Folhapress

Também faltou coragem para reagir, ainda em 2018, a uma fala de Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), sem dúvida menos grosseira, mas de igual teor à que causou a prisão de Daniel Silveira.

Numa palestra no Paraná, ele disse: “O pessoal até brinca lá, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não”.

Naquele momento, a ministra Rosa Weber optou por uma linha de prudência: “Juiz algum no país, juízes todos no Brasil [que] honram a toga, se deixa abalar por qualquer manifestação que eventualmente possa ser compreendida como conteúdo inadequado”.

Também o ministro Marco Aurélio não se arriscou. “Vamos aguardar, com toda a serenidade, os acontecimentos.”

Jair Bolsonaro cresceu em visibilidade quando, na votação pelo impeachment de Dilma, elogiou um torturador. A atitude era escandalosa, causou protestos, mas não foi levada suficientemente a sério.

A famosa frase do “só não te estupro porque você não merece” já justificaria a cassação de Bolsonaro por falta de decoro parlamentar.

A sociedade brasileira, e mesmo suas forças mais convictas na defesa da democracia, optou há muito pelo faz de conta. Na década de 1980, agradecemos com um sorriso quando os militares entregaram o poder.

Fala-se da falta de autocrítica da esquerda. Concordo.

Mas é mais do que falta de autocrítica o que se passa entre os militares. Poderiam silenciar sobre as violências de 1964. Fazer como se não fosse mais com eles. Até hoje, entretanto, celebram o que fizeram.

Autocrítica? A Marinha se recusa a homenagear, até hoje, o marinheiro João Cândido, líder da revolta contra o uso da chibata em 1910. O comprometimento com a tortura vem de longe.

O fato é que a sociedade brasileira ainda tem medo dos militares. Sempre que consultado, o STF reafirma os princípios da anistia aos torturadores e assassinos a serviço do regime.

No seu vídeo, Eduardo Bolsonaro indagava se a população sairia nas ruas para defender o Supremo depois que um cabo e um soldado resolvessem intervir pela instituição. Posso fazer o raciocínio inverso.

Se fosse revogada a Lei da Anistia, quantos sairiam às ruas para defendê-la? E será que muitos generais teriam condições de dar um golpe para assegurar a impunidade de seus carrascos de estimação?

Sem nenhum obstáculo real pela frente, é natural o avanço dos que sempre defenderam a ditadura militar, e querem instituí-la de novo.

O vídeo de Silveira foi um novo passo, especialmente grotesco, nessa direção. Atacado diretamente, o Supremo reagiu, e teve apoio do Congresso. Mas o bolsonarismo prepara, a olhos vistos, um golpe até 2022, ou logo depois das eleições.

As instituições democráticas, tímidas desde 1988, têm deixado esse avanço acontecer. Por medo, cumplicidade ou indiferença, naturaliza-se uma situação com Paulo Guedes no céu e com a PM, o Exército e as milícias aqui embaixo.

É preciso prender mais gente, antes que seja tarde demais.

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