Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Descrição de chapéu Eleições 2022

Chance de um segundo turno entre Bolsonaro e Lula não animará a direita

Impeachment traz a esperança de se resolver dois problemas: tanto o genocida, quanto o ex-presidente

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Existem os céticos da vacina, e existem também os céticos do impeachment.

Sempre que se toca no assunto, a teoria se repete: não temos votos suficientes no Congresso, ninguém pode ir às ruas, a popularidade de Bolsonaro não caiu como se esperava...

Tudo verdade. Só que as coisas mudam, e estão mudando.

O manifesto dos economistas e banqueiros, divulgado há uns dez dias, mostra o tamanho do estrago promovido pela cretinice de Bolsonaro na questão da pandemia.

Sempre será de prudência o tom de gestores de fundo, sócios de banco e especialistas no mercado financeiro. Levando isso em consideração, a carta é bastante dura.

barquinho de papel feito com o rosto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
Ilustração de André Stefanini para a coluna de Marcelo Coelho de 31 de março de 2021 - André Stefanini/Folhapress

Durante os últimos anos, esse pessoal se mostrou disposto a aceitar tudo, desde que seu verdadeiro messias descalço —o ministro Paulo Guedes— continuasse a pronunciar seus sermões. A cloroquina neoliberal de Guedes vai parando de fazer efeito, e o fígado começa a dar sinais de alarme.

A carta pede mudanças na forma com que o governo encara a pandemia. Cabe perguntar: será razoável acreditar nessa possibilidade? O problema, aqui, é que Bolsonaro não desiste de governar para seus seguidores mais fanáticos. Confia no número de pessoas que, em qualquer cidade do país, quer manter aberto seu pequeno negócio e frequentar praias e baladas no final de semana.

É como se Bolsonaro tivesse duas bases de sustentação ao mesmo tempo —e estas se encontram em franco processo de separação. Há uma base político-ideológica, composta da classe média fanatizada, do pessoal da bala, da homofobia e do racismo. E a base socioeconômica “real”, do mercado financeiro, do empresariado, do tucanato e do centrão.

Nesse segundo grupo, a atitude vinha sendo a de confiar ainda em Bolsonaro e esperar que ele corrija suas atitudes.

Mas aí surgiu um fator capaz de alterar os termos do jogo político. A entrada de Lula na disputa presidencial de 2022 não poderia ter tido melhor “timing”.

Para minha total surpresa, a reaparição do ex-presidente funcionou como campo magnético, atraindo para si, bem ou mal, as diversas oposições que se bicavam na busca de hegemonia.

Minha avaliação, até pouco tempo atrás, era que o PT não teria mais força para liderar uma disputa eleitoral; eu considerava que os tempos eram outros, mais favoráveis a Boulos, Ciro, Doria, Huck, qualquer coisa menos o partido do mensalão.

Quase sem fazer nada, só com um discurso, Lula fez com que todos os olhares se voltassem para sua direção.

E não só os olhares da esquerda. Na probabilidade de um segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o ex-petista parece contar, no momento, com o apoio de Fernando Henrique Cardoso e de Rodrigo Maia. Militares, como o vice-presidente Mourão, não esbravejaram.

Para quem se desanimava ao ver as vitórias de Bolsonaro na presidência da Câmara e do Senado, os últimos dias também trouxeram surpresa.

O deputado Arthur Lira falou em “remédios políticos amargos, alguns fatais” face ao descalabro governamental. O presidente do Senado atacou um flanco mais exposto, o Ministério das Relações Exteriores.

Luta por cargos, fisiologia? Sempre, e sobretudo.

Mas existe também, imagino, um cálculo de longo prazo. Como é natural na política, esses cálculos sempre mudam e são refeitos. Vale a pena formulá-lo aqui.

Se o segundo turno de 2022 se der entre Lula e Bolsonaro, a aposta do momento é que Lula ganharia. Para a direita não fanática, a opção não seria ideal, mas pelo menos seria administrável.

No quadro geral das opiniões, Lula versus Bolsonaro, hoje em dia, é comparável a uma disputa entre a Globo e a Record. A possibilidade de Bolsonaro ser derrotado por Lula cresce a cada desastre na economia, na saúde e na moralidade administrativa.

“Temos de ir com Lula, então?”, pensam a direita e o centro, sem alegria.

Talvez exista, para esse setor, uma alternativa. O impeachment de Bolsonaro traz a esperança de se resolver dois problemas ao mesmo tempo: tanto o genocida, quanto o próprio Lula.

Com Bolsonaro fora da disputa em 2022, Lula se enfraquecerá como principal polo opositor. Viraria, ele próprio, o foco das críticas de sempre; uma “nova” opção, uma “terceira via”, Huck, Doria ou o comediante que quiserem inventar, veriam aumentadas suas chances.

Não se deve desprezar a capacidade da direita para entrar em aventuras. Eleger Bolsonaro foi uma; afastá-lo, sem dúvida, será uma ideia melhor.

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