Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Nada mais patético do que ato pró-Bolsonaro, a favor de golpe para ter direitos

Não há liberdade individual sem Estado democrático, sem freios e contrapesos

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Sou bem ruinzinho em coisas de internet, mas aos poucos vou aprendendo. Por exemplo: toda vez que ligo o computador, aparece uma paisagem linda. “Você não vai acreditar em que país fica esta floresta tropical” ou “James Bond já mergulhou nestas águas cristalinas”.

Sem ser nenhum 007, sei que não devo entrar nessa cumbuca. Você clica e por algum mistério o seu sistema de busca padrão na internet passa a ser automaticamente o Bing.

Dá trabalho voltar para o velho e bom Google. Mas... ah-ha, eu tenho meus segredinhos.

Meu navegador preferido é o Chrome —sigo a maioria, sem dúvida—, mas digo para o computador que meu navegador-padrão é o Microsoft Edge.

Várias pessoas em cima de cavalos brancos. Desenho com cores verde e amarela
Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho, publicada no jornal Folha de S.Paulo em 5 de maio de 2021 - André Stefanini

Desse modo (espero), todas chatices e padronizações involuntárias são canalizadas para o Edge, que nunca uso.

Claro que, no fundo, essas supostas espertezas são tão risíveis quanto a atitude de um aborígene enfrentando com arco e flecha uma ogiva nuclear.

Em matéria de conflito real, leio que a Apple entrou em guerra com o Facebook, lançando um sistema que teoricamente protege a privacidade dos usuários. Para cada aplicativo que você baixa no celular, há um modo de impedir que rastreiem seus dados pessoais.

Não acredito muito no sucesso da iniciativa. É possível que, para a maioria das pessoas (eu, pelo menos), essa questão de privacidade não seja tão sacrossanta assim.

Gosto quando se baseiam nas minhas escolhas quando me indicam livros e filmes na Amazon ou na Netflix.

E me divirto quando, sabendo da minha idade, a internet me oferece as melhores ofertas para aparelhos de surdez e higienização de dentaduras.

Já a manipulação política é um caso bem mais sério; linchamentos virtuais também.

Acredito que reprimir esse tipo de coisa é uma tarefa urgente, que passa por cima das desculpas habituais em defesa da liberdade de expressão ou da velha e boa privacidade dos usuários.

Depois de Trump, da Covid e de violências de todos os tipos contra figuras públicas, vai ficando consensual o sentimento de que a liberdade de expressão tem de ter limites na internet. Como sempre teve, aliás, em qualquer meio de comunicação pública.

Não se trata do fascistinha comum ou do comediante vulgar. Um estudo do governo britânico chegou à conclusão, nestes dias, que Vladimir Putin dispõe de uma rede de trolagem destinada a inibir as críticas da imprensa internacional ao regime.

As páginas de comentário online de vários jornais, em 15 países do mundo, são invadidas por mensagens a favor das atitudes da Rússia em questões estratégicas.

O governo de Putin depois republica tudo na mídia local, para mostrar que conta com apoio no estrangeiro.

Não acho que isso seja teoria da conspiração; o papel dos russos na eleição de Trump é conhecido. O fato de muitos malucos acreditarem em todo tipo de conspiração não impede que conspirações existam de fato —ainda mais quando os malucos assumem o poder.

O faroeste neoliberal da economia foi transposto para a internet, outra terra sem lei.

A vantagem cresce, sempre, para quem concentra mais poder: tanto os grandes conglomerados econômicos, quanto os ditadores. É o Estado, o Estado democrático de Direito, que serve para proteger as vítimas dessa situação.

A direita, ao mesmo tempo que faz vista grossa para o autoritarismo político, adora ver em todo Estado o carrasco das liberdades individuais.

É uma lorota; não há liberdade individual sem Estado democrático, sem os freios e contrapesos estabelecidos na lei e na Constituição.

Nada mais patético do que os manifestantes pró-Bolsonaro, querendo um golpe para garantir os “direitos constitucionais” de não usar máscara, lotar hospitais e contaminar o resto da população.

Nesse modo de ver o mundo, o poder absoluto de Bolsonaro se transfere a cada um de seus apoiadores.

Cada um se imagina um bolsonarozinho, de arma em punho, podendo xingar negros e homossexuais à vontade, sem nenhuma limitação legal.

O chamado “cidadão de bem” adere, desse modo, à utopia do bandido, do traficante que ele tanto detesta. Com uma pistola na cintura, fará o que bem entender.

Aplaudiram Roberto Jefferson na manifestação pró-Bolsonaro em São Paulo.

Para quem era entusiasta de Sergio Moro, isso é que é tirar a máscara de uma vez por todas.

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