Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Descrição de chapéu tecnologia

No mundo dominado pelo WhatsApp, é mais humano se expressar com emojis

Carinhas são capazes de delicadezas, nuances de culpa, colorações de inveja e variantes de desinteresse ou de carinho

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Sem pressa, devagar e sempre, vou progredindo na vida digital. Minha conquista mais recente foi conectar o WhatsApp no meu computador. Evito boas encheções com isso.

Por exemplo: posso usar um teclado normal para escrever recados no WhatsApp, sem cair em frequentes erros de digitação —ou nas autocorreções, piores ainda, que o telefone cria a cada momento.

Como a maior parte das pessoas da minha geração, só sei usar o dedo indicador quando digito no celular. Disparar mensagens com dois polegares velocíssimos é para quem tem pós-graduação em videogame.

Ilustração de André Stefanini para a coluna de Marcelo Coelho de 3 de novembro de 2021
André Stefanini

Minha nova conexão laptop-telefone traz outras vantagens. Posso ouvir os recados de voz sem interromper o que estou fazendo. Antes, tinha de largar tudo, posicionar o telefone em modo perpendicular à minha orelha e me resignar às longas narrativas de quem, por inúmeras razões, é avesso à palavra escrita.

Admiro a coragem dos que já vão avisando "não ouço recados em áudio". Com o computador no WhatsApp, a advertência já não é tão necessária. Deixo a voz falando o que quiser, enquanto pago contas ou verifico os emails. Alimento com isso, é claro, a grande ilusão da nossa época, que é a de "ganhar tempo".

E também posso me vingar com mais facilidade: ficou mais fácil roubar o tempo dos outros.

É assim: todos os dias recebo uma grande quantidade de filminhos, notícias, links humorísticos, fotos fofas, fotos feias, fotos moles, siliconadas ou duras. Bebezinhos, animais incendiados, comediantes sem graça, mendigos sem dente, pornografia tailandesa —meus amigos são capazes de tudo.

Ahá —mas agora me comunico a partir do laptop. Toda notícia sobre derivativos, todo artigo quilométrico, todo debate sobre meio ambiente, toda previsão política, toda oscilação na pandemia eu posso disparar em troca.

Mandou um vídeo de cachorro empurrando bebê na piscina de plástico? Tome uma entrevista com Elon Musk. Divulga imagens de duas loiras masturbando um jegue? Receba, em troca, a entrevista de um cardeal sobre a atualidade da encíclica "Mater et Magistra".

Não detesto o WhatsApp —é tão útil quanto o velho telefone, afinal de contas, desde que limitemos o número dos grupos a que pertencemos. Faço parte só de três, indispensáveis; o resto é o caos.

Mesmo se não tiver sido criado com intenções políticas, religiosas ou de mercado, um grupo de amigos, conhecidos ou familiares muda de qualidade se reunir mais de dez pessoas. Durante poucos dias, entrei num que tinha mais de cem.

Já não faz diferença se reúne pessoas reais ou se é acionado por robôs. O alarmezinho toca de cinco em cinco minutos, você vai ver e encontra um "kkk" atrás do outro, um "conteúdo" nada a ver seguido de um comentário que não comenta nada.

Quanto mais fácil se torna reagir a alguma coisa, mais automática é a reação, mais baixo o nível da autocrítica; quem precisa de robôs, quando humanos são a mesma coisa?

Mas nem tudo é desgraça. Faço aqui o elogio dos emojis. Como é pobre, e ambíguo, o simples "obrigado"! Uma carinha sorridente em seguida faz toda a diferença.

É muito mais humano apresentar uma carinha de espanto, ou de tédio, ou uma linguinha de fora, do que escrever "que coisa!", ou "que saco!", ou "aí, hein, hehe", como resposta. É pequeno o número das interjeições numa língua. Já é provavelmente bem maior a quantidade dos emojis à disposição.

Mas estamos apenas na pré-história dessa linguagem. Penso, por exemplo, no simbolozinho da ampulheta, usado para "estou esperando", ou "espere". Diz pouca coisa, por enquanto.

Penso na soma de uma ampulheta com uma daquelas bombas de pavio aceso. "Espere, lá vem bomba." Ou uma ampulheta com um arco-íris. Uma carinha sorridente pode ter orelha vermelha. "Sei que vocês estão falando de mim, mas acho legal."

Quantas delicadezas de sentimento, nuances de culpa, colorações de inveja, variantes de desinteresse ou de carinho poderão se expressar combinando emojis, com cores, tamanhos e formatos diferentes? Uma carinha triangular sorrindo, uma gargalhada verde, lágrimas de sete cores, uma dúvida em forma de estrela...

Acelero a ampulheta, ou o calendariozinho, para daqui a cem ou 200 anos. Cinco emojis estarão compactados, estilizados, formalizados num único símbolo —num ideograma. Adeus, alfabeto! Logo estaremos todos escrevendo em chinês.

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