Marcelo Gleiser

Professor de física e astronomia na Universidade Dartmouth (EUA), autor de “A Simples Beleza do Inesperado”.

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Marcelo Gleiser

Podemos mudar o passado?

Pensando em partículas quânticas, o presente pode influenciar o passado

Quem nunca se arrependeu do que fez? Não seria ótimo se fosse possível voltar no tempo para consertarmos erros e más escolhas?

Isso parece ser coisa de ficção científica. Porém...

Relógio antigo na cidade de São Paulo
No nível das partículas quânticas uma experiência sugere que ações no presente podem influenciar o passado - Eduardo Knapp/Folhapress

As leis da física proíbem viagens ao passado, por vários motivos. Se pudéssemos viajar ao passado e mudar eventos estaríamos alterando o curso da história. Um exemplo muito citado é o paradoxo do avô: se você viajasse ao passado e assassinasse o seu avô quando ele era ainda estudante no ensino médio, não teria encontrado a sua avó e você e seu pai não existiriam.

Um exemplo popular de viagem ao passado é a fantástica série de TV canadense Viajantes (do inglês Travelers). Num futuro distante, a Terra está em ruínas; os humanos são controlados por uma inteligência artificial benevolente que descobre um modo de projetar o consciente de pessoas do futuro em “hóspedes" do século 21.

A ideia é que os viajantes do futuro possuam a mente da pessoa no nosso século momentos antes de ela morrer. O enredo inclui discussões um tanto vagas sobre o emaranhamento quântico entre o consciente do viajante e o do hóspede, mas os detalhes não são importantes. O ponto da série é que os viajantes voltam ao passado para tentar mudar o curso da história —e salvar o mundo da ruína em que vivem.

Deixando de lado como transferir o consciente de um ser humano a outro no passado e focando na ideia de alteração do passado, existe algo que a ciência atual possa fazer de semelhante?

Surpreendentemente, sim.

No nível das partículas quânticas (estamos falando de fótons, elétrons ou átomos, no máximo), existe algo, proposto pelo físico americano John Wheeler nos anos 1970, conhecido como Experimentos de Escolha Demorada, que sugerem que ações no presente podem influenciar o passado.

Os experimentos usam a chamada dualidade partícula-onda da luz e da matéria, o fato de que a natureza física de um objeto quântico (muito pequeno) permanece indeterminada até que é medida.

Em outras palavras, isso significa que uma partícula de luz (fóton) ou de matéria (um elétron) pode se comportar tanto como onda (espalhando-se pelo espaço, sofrendo interferência) ou partícula (localizada em um pequeno volume), dependendo do equipamento de medição usado.

Discussões sobre a interpretação da física quântica que perduram por décadas e que permanecem inconclusivas tentam decifrar o que isso significa. Será que nossas mentes determinam as propriedades do mundo material, ou melhor, a natureza da realidade física?

O leitor interessado em maiores detalhes pode consultar o livro "A Ilha do Conhecimento - Os Limites da Ciência e A Busca Por Sentido" sobre assunto, que publiquei em 2014.

Mas experimentos medem, sem se preocupar muito com questões de interpretação. Wheeler ficaria impressionado se estivesse vivo hoje para testemunhar os resultados de experimentos que emularam suas ideias. Os dados indicam que, ao menos ao nível de objetos quânticos, ações presentes afetam o passado.

A figura abaixo resume o experimento.

Diagrama Wheeler
Diagrama Wheeler - Reprodução

Imagine que uma fonte de fótons (ou outra partícula quântica) atira partículas em direção a um obstáculo que tem duas fendas. Atrás do obstáculo encontra-se uma tela de detecção. Se os fótons atingem a tela, vemos um padrão típico de interferência de ondas, com franjas claras e escuras se alternando. Se a tela não está presente, e, em seu lugar, temos detectores de fótons alinhados com as fendas do obstáculo, os fótons atingirão um ou outro detector, se comportando como partículas. Este é o experimento comum de interferência de luz ou matéria passando por duas fendas.

O “mistério que não vai embora”, como afirmou o grande físico americano Richard Feynman, é que o cientista conduzindo o experimento determina a natureza física do objeto —se onda ou partícula. Com a ideia de Wheeler, o mistério aumenta ainda mais.

Imagine que os detalhes do experimento —se a tela está lá ou não— são decididos após o fóton ter passado pelas fendas. É isso que as setas no digrama representam, a possibilidade de a tela estar lá ou não.

Em 2007, um grupo na França construiu esse experimento quase que exatamente, deixando um fóton passar pelo obstáculo com duas fendas e, após ter passado, ter a presença ou não da tela decidida por um gerador numérico aleatório. (Essencialmente, o gerador cria uma sequência aleatória de números que são usados para decidir se a tela fica ou não.)

Como escreveu Wheeler, “o experimento decide se o fóton passa por uma fenda (partícula) ou por duas (onda) depois de ele ter já passado”. Desde então, outros grupos refinaram ainda mais o experimento, confirmando a intuição de Wheeler.

Um detalhe importante é que a mudança no desenho do experimento tem que ser mais rápida do que o tempo que o fóton demora para viajar até os detectores. Assim, evita-se que o fóton “saiba” o que aconteceu. (Se é que um fóton “sabe” alguma coisa.)

Em outubro, novos experimentos estenderam a viagem dos fótons até 3.500 quilômetros, e mesmo assim o fóton se comportou como previsto pelo Experimento de Escolha Demorada. É como se o cavalo corresse 3.500 quilômetros e, um pouco antes da linha de chegada, decidisse qual caminho percorreu até lá.

Claro, fótons não são pessoas, e esses efeitos ficam mais difíceis com o aumento do tamanho do objeto. Mesmo assim, algo de estranho está ocorrendo, onde o caminho que um objeto percorre parece ser independente do tempo. É como se as duas escolhas (partícula ou onda; uma fenda ou duas) existem em uma dimensão sem tempo e só viram realidade quando o arranjo do experimento é decidido. Por isso Wheeler considerava suas ideias como indicativas de um “universo participatório”, onde nossas mentes estão conectadas de alguma forma com a própria estrutura do espaço e do tempo. Afinal, sem nossas mentes, o experimento e sua interpretação não existiriam.

Infelizmente, esses experimentos com partículas quânticas dizem pouco sobre como podemos interferir com o passado em uma escala humana. Nas nossas vidas, é melhor tomar cuidado com as escolhas antes de fazê-las.

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