A história da humanidade pode ser contada como uma história de expansão territorial. Nossos antepassados saíram das savanas africanas e se espalharam pelo planeta. Exploradores intrépidos chegaram aos pontos mais distantes do planeta, os mais altos e os mais profundos.
Mesmo que ainda reste muito a ser descoberto na Terra (e as profundezas dos oceanos são a maior incógnita), a partir de meados do século passado, nossos olhos se voltaram ao espaço. É lá que está a fronteira moderna da exploração, e é para lá que estamos indo, mesmo que ainda a passos tímidos.
O que mudou nos 500 anos entre, digamos, Cabral e a Nasa, é que criamos combustíveis artificiais para viajar mais rápido e eficientemente. No espaço, claro, temos que usar nossos próprios meios de propulsão, visto que não existem ventos a soprar velas. (Existe, entretanto, a possibilidade de se usar o que chamamos de vento solar, a radiação que vem do Sol e que pode impulsionar veleiros espaciais. Escrevi sobre isso na minha antiga coluna micro/macro em 2005).
O ponto é que nossas espaçonaves estão ficando cada vez mais eficientes, especialmente agora que a iniciativa privada entrou de vez na corrida espacial, como vemos com a empresa SpaceX do bilionário Elon Musk, também dono da Tesla.
No dia 18 de abril, um foguete Falcon 9, da SpaceX , levou o novo satélite caçador de exoplanetas —chamado Tess (do inglês “Transit Exoplanet Survey Satellite”, algo como “satélite de busca por exoplanetas usando a técnica de trânsito”) —em direção à sua órbita em torno da Terra, onde deve chegar em meados de junho. Exoplanetas são planetas girando em torno de estrelas que não o Sol.
O novo satélite continua o levantamento de exoplanetas iniciado pelo satélite Kepler, que, durante 2009 e 2013, monitorou cerca de 150 mil estrelas numa região estreita do céu, descobrindo 2.650 exoplanetas.
O objetivo principal das duas missões é identificar, dentre os vários exoplanetas descobertos, aqueles que oferecem as condições mais propícias para a existência de vida: temperaturas relativamente bem reguladas, água líquida, e, talvez, metano e oxigênio na atmosfera, assinaturas da vida que conhecemos aqui.
Os dois satélites usam a mesma técnica para caçar exoplanetas, conhecida como trânsito, que não tem nada a ver com os engarrafamentos nas cidades. Tal qual quando um mosquito voa em frente a um farol de carro, a luz de uma estrela sofre uma pequena redução quando um planeta passa à sua frente.
As quatro câmeras do Tess monitoram essa redução do brilho e sua duração, metaforicamente buscando pelas sombras de outros mundos. Com isso, astrônomos podem determinar a distância relativa da órbita do planeta e seu tamanho.
A diferença essencial entre Kepler e Tess, fora, claro, uma tecnologia mais avançada e sensível, é que Tess focará sua atenção em 200 mil estrelas bem mais próximas do nosso Sistema Solar, estudando praticamente o céu inteiro à nossa volta. Com isso, outras missões e telescópios terrestres poderão estudar em detalhe os candidatos mais promissores à existência de vida.
Em particular, os candidatos identificados pela missão Tess serão analisados pelo telescópio espacial James Webb, o sucessor do Hubble, que tem lançamento previsto para 2020. Se tudo correr conforme o planejado, o James Webb poderá estudar a composição química da atmosfera de alguns dos exoplanetas descobertos pelo Tess, buscando por sinais de vida e por planetas habitáveis.
Em 50 ou cem anos, talvez até antes disso, será possível enviar foguetes-robôs miniaturizados, capazes de chegar até os planetas mais promissores para estudá-los diretamente. Com isso, teremos evidência direta de vida extraterrestre e, quem sabe, de possíveis mundos para onde a humanidade poderá expandir sua presença.
O interessante é que esses minifoguetes usarão justamente a técnica de velejo espacial a que me referi acima, sendo capazes de alcançar 20% da velocidade da luz, acelerando de zero a 60 mil quilômetros por segundo em apenas dois minutos. (Vale a pena ler esses números outra vez!) Com essa técnica, os minifoguetes podem chegar até as estrelas mais próximas ao Sol em cerca de 20 anos.
Na exploração da Terra e do espaço, a humanidade divide uma visão comum, que combina curiosidade com sobrevivência. A expansão da nossa presença até outros mundos, mesmo que demore ainda um século ou mais, me parece inevitável.
No meio tempo, é essencial não nos esquecermos do nosso mundo que, até descobrirmos outro com características semelhantes, é o único onde podemos sobreviver. Nosso olhar só pode se estender até as estrelas porque temos um chão para nos apoiar.
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