Marcelo Gleiser

Professor de física e astronomia na Universidade Dartmouth (EUA), autor de “A Simples Beleza do Inesperado”.

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Marcelo Gleiser
Descrição de chapéu genética

Quando um bebê tem três progenitores

A revolução genética em curso aponta para um futuro ainda incerto

Progenitor não é uma palavra muito usada, mas, no contexto de um novo avanço na tecnologia de reprodução, pode voltar a ser. Afinal, ‘progenitor’ vem de gene, e essa nova tecnologia faz algo que mistura o incrível com o fantástico: combina os genes de três adultos para criar um bebê que, geneticamente ao menos, é filho dos três.

A tecnologia foi desenvolvida para permitir que pais com mutações genéticas que causam doenças devastadoras na sua prole possam ter crianças saudáveis.

Em abril de 2016, um casal jordaniano contratou um time americano para tentar a nova tecnologia. O time teve que fazer o procedimento no México, pois a técnica é proibida nos EUA. Aliás, o único país do mundo aberto ao procedimento é o Reino Unido.

Reprodução/Instagram/jose

A mãe ‘verdadeira’ sofre de síndrome de Leigh, uma doença genética que ataca o sistema nervoso e que causou a morte de suas duas primeiras crianças. Os genes da doença ficam no DNA da mitocôndria, uma organela localizada nas células onde ocorrem os processos bioquímicos responsáveis pela produção de energia.

A mitocôndria é uma espécie de reator central da célula. Com apenas 37 genes, separados do resto dos genes que residem no núcleo da célula, a informação genética das mitocôndrias é passada de geração em geração pela mãe.

A nova técnica se aproveita desse isolamento genético das mitocôndrias. Os espermas do pai são usados para fertilizar artificialmente óvulos da mãe verdadeira e os de uma doadora. Antes dos óvulos fertilizados começarem a se dividir para criar embriões, seus núcleos, que contêm a maior parte do material genético, são removidos. O núcleo da mãe verdadeira é então enxertado no óvulo da doadora. Com isso, o óvulo que se transformará num bebê contém o DNA da mãe verdadeira e a mitocôndria saudável da doadora.

No caso do casal da Jordânia, a técnica usada foi um pouco diferente; como muçulmanos, não queriam a destruição de dois embriões. Apenas um óvulo foi fertilizado, o da doadora já com o material genético da mãe verdadeira. O resultado final, um óvulo com o material genético de três pessoas, é o mesmo.

A técnica levanta uma série de questões éticas. Pela primeira vez na história, um bebê humano tem material genético de três pessoas. Isso significa que sua prole, se o bebê for uma menina, terá genes da doadora e não apenas do pai e mãe verdadeiros. Para evitar esse problema, o time americano usou propositalmente um embrião macho.

Mesmo assim, não é claro que o bebê não terá problemas genéticos no futuro. Exames sugerem que uma quantidade pequena do DNA defeituoso da mãe verdadeira foi injetado acidentalmente no óvulo. O casal jordaniano se recusou a continuar testes com o seu bebê, o que invalida o procedimento como estudo científico de longo prazo.

A técnica foi repetida recentemente na Ucrânia, onde um casal tem um bebê de 15 meses, aparentemente sadio. Porém, muitos médicos e especialistas em ética questionam o procedimento. “Esse é um experimento ainda sem controle, onde uma tecnologia que não foi testada com cuidado está sendo oferecida comercialmente”, disse Jeffrey Kahn, diretor de um painel da Academia Americana de Ciências que examinou a questão.

Até agora, quatro bebês de três progenitores nasceram na clínica ucraniana, localizada em Kiev, e mais três mulheres estão grávidas. Ainda é cedo para saber se existem problemas de longo prazo com o procedimento que poderão afetar a saúde dos bebês.

Outros cientistas veem o procedimento como o primeiro passo na direção perigosa dos ‘bebês por design’, onde os progenitores escolhem que material genético seu bebê terá. A tecnologia atual ainda está longe disso, mas a mistura do material genético de três pessoas é uma inovação essencial. O que impede que partes de DNA de pessoas diferentes sejam combinadas para criar uma ‘supercriatura’?

Não que as novas mães estejam se preocupando com isso. Em meio às fraldas sujas, os choros e os sorrisos, celebram todos os dias a criatura que carregam nos braços. “No final, somos todos filhos de Adão e Eva”, disse a mãe ucraniana. “Estamos todos conectados”.

Adão e Eva ou não, a verdade é que todas as criaturas vivas estão conectadas pela história da vida na Terra. Todas as espécies têm o mesmo ancestral comum, uma bactéria que viveu há bilhões de anos. O que mudou, agora, é que uma dessas espécies está desenvolvendo tecnologias capazes de reescrever sua história, controlando sua evolução genética. Aonde isso vai dar, ninguém sabe.

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