É repórter especial da Folha,
autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
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Filme da Shell de 1991 já apontava para os riscos da mudança climática
Reprodução | ||
Reprodução do filme da Shell que falava das mudanças climáticas |
A ambiguidade malévola das companhias petrolíferas a respeito do aquecimento global foi escancarada pelo holandês Jelmer Mommers. O jornalista trabalha no site "The Correspondent".
Mommers achou e pôs na rede um filme de 1991 alertando para os riscos da mudança climática, produzido pela Shell. Seu furo ganhou destaque em inglês por meio de uma parceria com o colega britânico Damian Carrington, em reportagem do diário "The Guardian".
Desde aquele ano distante, porém, a Grande Irmã anglo-holandesa fez muito pouco para enfrentar a crise com que se preocupava um quarto de século atrás.
O vídeo de 28 minutos carregava o título "Climate of Concern", que pode ser traduzido como "clima de preocupação", mas também como algo na linha de "clima de responsabilidade". Com efeito, a produção tem objetivo didático e funciona como um chamamento a governos e empresários para que façam algo a respeito.
Vale a pena assistir, ainda que não tenha encontrado uma versão legendada em português. Alguma boa alma poderia fazê-lo, para iluminar aqueles conservadores que veem no combate ao aquecimento global uma motivação anticapitalista.
Supondo-se, claro, que eles queiram ser iluminados a respeito de alguma coisa. Donald Trump, por exemplo. No ritmo em que o presidente americano tem lançado ataques contra o bom senso e as evidências factuais, não surpreenderia se ele denunciasse a Shell como cúmplice da China para tirar empregos "da América".
O filme, apesar de antigo, permanece sinistramente atual. Os computadores e gráficos que mostra parecem saídos de uma série de TV jurássica, mas o que mostram não conflita em quase nada com tudo que se mediu, observou e verificou desde então, em matéria de transformações do clima da Terra.
Tudo indica que a Shell estava metida então numa operação de relações públicas, tentando dar uma esverdeada na sua imagem e surfar na onda da Eco-92. Essa reunião de cúpula ambiental atraiu ao Rio de Janeiro representantes de 108 países da ONU e produziu a Convenção sobre Mudança Climática.
Foi o início de um arrastado processo de negociação internacional que culminou em 2015 no Acordo de Paris. Em 1992 se falou muito de ecologia e clima, por aqui, mas desde então o tema sumiu da agenda nacional –soterrado, a partir de Paris, pela avalanche dupla do impeachment e da crise socioeconômica.
Antes do maremoto geopolítico desencadeado por Trump, o assunto aquecimento global já enfrentava uma espécie de pororoca sob a maré crescente do óleo e do gás de folhelho ("shale", também chamado no Brasil de xisto).
Os preços do petróleo despencaram no mercado internacional. Em Pindorama, os governos Lula e Dilma se lambuzaram no combustível fóssil e na corrupção antediluviana do pré-sal.
Em paralelo e quase em silêncio, a China trabalhava. Não numa conspiração para derrubar o capitalismo, que pratica com parcimônia e pragmatismo, mas para livrar-se do carvão mineral que move sua economia e cuja poluição –mais a da crescente frota de veículos– mata mais de 1 milhão de chineses por ano.
Como resultado, as emissões de carbono do setor energético chinês pararam de crescer nos últimos três anos. O consumo de carvão caiu, em favor de usinas termelétricas movidas a gás natural (um fóssil mais eficiente) e fontes limpas de energia, como a solar fotovoltaica, que dobrou.
A Shell fez pouco caso de seu filme premonitório. Ao menos em Pequim, pelo visto, havia alguém prestando atenção.
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