Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Marcelo Leite

Câncer e armas no centro da desinteligência artificial

Notícia de que há um lago subterrâneo em Marte deve ter deixado muitos fãs de Star Trek com comichões

Não conte esta coluna entre os entusiastas das viagens interplanetárias nem da inteligência artificial. É duvidoso que um dia venham a cumprir as promessas imaginosas da ficção científica, e ainda sobram dúvidas sobre a ética e a pragmática de seu emprego.

Enquanto isso, acreditá-las perto da realização só faz erodir a fantasia que propulsiona o prazer proporcionado por esse subgênero literário (para não falar da cornucópia cinematográfica).
 
A notícia de que há um lago subterrâneo de 20 km em Marte deve ter deixado muitos fãs de Star Trek e Star Wars com comichões. Esse povo não ligará muito para o fato de o líquido ser supersalgado e estar enterrado a mais de 1 km da superfície.
 
Para todos os efeitos, o planeta vermelho continua a ser um deserto pior do que qualquer outro na Terra. Isso não significa que o lago não possa conter alguma forma de vida; ao contrário, aqui mesmo na Terra há seres unicelulares que vivem em condições tão ou mais extremas.
 
Só esse pequeno aumento da probabilidade de vida extraterrestre, porém, já faz da notícia algo sensacional. O mesmo não se pode dizer do que transpirou nas últimas semanas sobre a inteligência artificial.
 
A primeira má nova abalou mais um pouco o prestígio do supercomputador Watson, da IBM, já comentado aqui. Seus marqueteiros vendem a “tecnologia cognitiva” Watson for Oncology como poderosa ferramenta para eleição de tratamentos contra o câncer, mas não conseguem convencer muitos médicos disso.
 
Watson não pegou na Europa. Foi contratado por alguns centros de câncer nos EUA e na Ásia. No Brasil, por pelo menos dois: o Hospital do Câncer Mãe de Deus, de Porto Alegre, e o Instituto do Câncer do Ceará.
 
Surge agora a denúncia de que o sistema pode sugerir condutas inseguras e incorretas. Num desses casos, Watson prescreveu que um homem de 65 anos com tumor de pulmão e sangramento recebesse quimioterapia e um medicamento cuja bula avisa: “Pacientes tratados com bevacizumabe (substância ativa) apresentam risco aumentado de hemorragia”.
 
O alerta partiu do boletim norte-americano de saúde Stat. A reportagem se baseou em documentos internos da própria IBM, afirma a publicação.

A segunda má notícia para as aplicações da computação raciocinante –na realidade, uma boa notícia para a humanidade– partiu da IJCAI (Conferência Conjunta Internacional de Inteligência Artificial), realizada em Estocolmo: um manifesto contra seu emprego em armamentos.
 
“Nós abaixo-assinados concordamos em que a decisão de tirar uma vida humana jamais deveria ser delegada a uma máquina”, diz o texto.
 
“Não apoiaremos nem participaremos do desenvolvimento, da manufatura, do comércio ou do uso de armas letais autônomas. Pedimos que as companhias e organizações de tecnologia, assim como líderes, formuladores de políticas e outros indivíduos, se unam a nós neste juramento.”
 
O apelo já foi ouvido por 160 empresas e organizações de 36 países, entre elas a Google DeepMind, e 2.400 pessoas de 90 países, como o empresário Elon Musk, da Tesla e da SpaceX, e uma dúzia de pesquisadores brasileiros.
 
Não há muita dúvida de que, do ponto de vista ético, o manifesto enuncia a coisa certa. Mas será suficiente? Duas perguntas vêm à baila:
 
1. Se as armas providas de inteligência artificial não forem letais, tudo bem?
 
2. Que diferença substancial haveria entre o drone assassino pilotado por um computador autônomo e outro guiado por um humano a milhares de quilômetros de distância, como os largamente empregados pelos EUA na Presidência de Barack Obama?
 
Coluna aberta para opiniões sobre o poder da inteligência artificial na vida e na morte.
 

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