Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Marcelo Leite

Sonecas de 30 minutos ou mais melhoram aprendizado na escola

Estudo foi conduzido pelo neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro

Sidarta Ribeiro tem um sonho: convencer educadores de que o sono é decisivo para o aprendizado. O neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) trabalha há anos nessa vertente e agora traz novos dados para tornar esse sonho realidade.

O trabalho saiu dia 21 no periódico Science of Learning, do mesmo grupo que publica a prestigiada revista científica Nature. Durante seis semanas seu grupo testou a hipótese em 24 alunos de 5º ano do ensino fundamental, com resultados animadores.

Todas as "cobaias" assistiram às mesmas aulas de ciência e história, abrangendo temas curriculares. Na sequência, alguns alunos puderam tirar uma soneca, enquanto outros tiveram outra preleção sobre assunto diverso; outros, ainda, fizeram uma pausa do tipo recreio.

Eduardo Anizelli/Folhapress/Folhapress

Nos dias subsequentes, os estudantes iam trocando de grupo, de modo que todos passaram por todas as situações. Em paralelo, enfrentaram testes para medir a retenção do conteúdo histórico e científico ministrado.

A oportunidade de dormir surgia às 8h15, logo após a primeira aula do dia. O artigo explica que o nascer do sol em Natal ocorre por volta das 5h e que os meninos acordam em geral ali pelas 5h30, chegando à escola bem zonzos, sem dificuldade para cair no sono.

O experimento comprovou que sonecas de 30 a 60 minutos de duração aumentaram em cerca de 10% a retenção do conteúdo. Por outro lado, não se observaram melhoras significativas nos casos em que os alunos dormiam menos de 30 minutos.

Para os autores do estudo, a melhora deve ter sido propiciada pelo estágio 2 de sono, benéfico para a memória declarativa, de curto prazo. Sonecas matutinas também envolvem sono com sonhos, o estágio REM (ou MRO, em português, caracterizado por movimentos rápidos dos olhos), mais associado com criatividade.

Não é a primeira vez que Ribeiro participa de estudos no gênero. Quatro anos atrás ele e outros coautores publicaram artigo no periódico Frontiers of Systems Neuroscience (também relatado nesta coluna) apresentando resultados obtidos com 584 estudantes de idade similar.

Os ganhos indicados no trabalho anterior, entretanto, poderiam também dever-se à presença inédita de alunos de pós-graduação, em estabelecimentos em áreas de nível socioeconômico baixo, para aplicar os testes. Novidades no ambiente escolar podem também induzir melhoras no desempenho.

Para controlar essa variável, o novo trabalho empregou os próprios professores e conteúdos regulares do currículo, num arranjo que o texto descreve como "naturalista". Decidiu-se também não medir as ondas cerebrais dos estudantes, porque a aparelhagem poderia acarretar interferências no sono.

"Estou cada vez mais convencido de que a revolução educacional que o Brasil precisa fazer começa pelo aumento para valer dos salários do magistério e passa em seguida pela otimização da fisiologia (sono, alimentação, exercício) e pela avaliação contínua personalizada via computador", diz Ribeiro.

Uma das coisas por fazer, à luz dos dados de pesquisa, é repensar a prática de fazer as crianças irem à escola tão cedo de manhã. "Se não usarmos o melhor da ciência do aprendizado para reformar essa educação péssima que provemos, vamos seguir na rabeira da caravana", adverte.

Quem atenta para os últimos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) do Brasil sabe bem do que ele está falando. É de tirar o sono.

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