Esta coluna faz votos de sucesso ao Instituto Questão de Ciência (IQC), que será lançado no próximo dia 22 com a missão quixotesca de defender o uso de evidências científicas para fundamentar políticas públicas. Terá cada vez mais trabalho pela frente.
O instituto já chega com as armas da razão apontadas contra a homeopatia, prova de que não teme uma luta inglória. Para abrir o evento de estreia, a bióloga e fundadora do IQC Natalia Pasternak Taschner convidou o médico e ex-homeopata Edzard Ernst, professor emérito da Universidade de Exeter (Reino Unido).
Não é um ex-homeopata qualquer, mas alguém disposto a atacar seu antigo credo com o zelo do iconoclasta. “A homeopatia está entre os piores exemplos da medicina baseada na fé”, escreveu Ernst num artigo de 2009 para o periódico The American Journal of Medicine, “que ganha o apoio estridente de celebridades e outros lobbies poderosos no lugar de um desejo genuíno e humilde de explorar os limites de nosso conhecimento usando o método científico.”
Entre as celebridades na mira de Ernst figura até o príncipe Charles, simpático aos remédios baseados nos princípios da similitude (semelhança entre efeito da doença e de uma substância a recomenda como medicamento) e da diluição (quanto mais diluída, mais potente a droga).
Pode-se argumentar, com razão, que as pessoas —tanto pacientes como médicos— têm direito à auto-ilusão. Promover uma cruzada racionalista contra suas crenças terá a mesma chance (zero) de sucesso quanto chamar de imbecil ou fascista quem acredita em memes denunciando a distribuição de mamadeiras com bicos no formato de pênis.
Como já disse um editorial da revista médica britânica The Lancet, não sem fina ironia, “quanto mais diluída se torna a evidência em favor da homeopatia, maior parece a sua popularidade”.
A coisa muda de figura quando se destinam verbas públicas para remunerar tratamentos homeopáticos e outras terapias alternativas sem comprovação (como acontece no Sistema Único de Saúde, o SUS). Edzard Ernst se bateu contra isso, com algum sucesso no serviço sanitário da Inglaterra.
Num país como o Brasil, em que dinheiro oficial financiou anos a fio a fosfoetanolamina, vai dar um pouco mais de trabalho. Às armas, então.
Por falar nisso, na semana passada a coluna “Tendência é evoluir na direção de Bolsonaro e defender porte de armas, sugere estudo” continha uma comparação torta sobre o número de armas de fogo no Brasil e nos Estados Unidos, como alertou a colega colunista da Folha Ilona Szabó, do Instituto Igarapé.
Dizia o texto que nos EUA havia 393 milhões de armas em mãos de civis, contra 620 mil no Brasil. Em realidade, o segundo número se refere apenas a armas legais, enquanto o primeiro abarca também as ilegais.
Pelo mesmo critério, o total estimado de armamentos em posse de brasileiros é de 17,5 milhões, segundo o relatório “Small Arms Survey”. Ou seja, quase 17 milhões deles ilegais.
Mesmo endireitada, a comparação não muda o principal: a quantidade de revólveres, pistolas, escopetas, metralhadoras e rifles em circulação no Brasil é relativamente pequena. Há por aqui 8,4 por 100 habitantes, contra 120/100 nos EUA.
O país de Lula, Dilma e Temer não alcançava nem o topo dos 25 mais armados. Mas é claro que, com Bolsonaro, tudo pode mudar —para pior.
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