O país ainda vai pagar caro, em vidas, mercados e árvores, pela truculência que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) vai imprimindo ao trato da questão florestal. Chumbo quente, motosserras e tortura de estatísticas são suas armas.
A turma do "agro é tech, agro é pop" está adorando. Para não riscar o verniz moderninho, fabrica números e diz que falta terra para plantar. Assume seu lado ogro do século 18, doidos como sempre para derrubar matas como se não houvesse amanhã.
Só o seu imediatismo explica tornar-se viral o vídeo de palestra de um notório ideólogo ruralista locupletado na Embrapa. Suas fabulações foram reduzidas a pó de traque por outro vídeo, “Fatos Florestais”, lançado segunda-feira passada (29).
No segundo caso, pelo menos, há ciência de verdade por trás das refutações. Dados com fontes e referências, basicamente o projeto MapBiomas, acervo georreferenciado com as mudanças de vegetação no Brasil ao longo de 35 anos produzido por 20 organizações de pesquisa, e o Atlas da Agropecuária Brasileira, mapa fundiário compilado pela Esalq-USP e pelo instituto Imaflora.
O vídeo que põe ordem no galinheiro resulta de uma parceria do Observatório do Clima com o cineasta Fernando Meirelles e a produtora Imaginária. O roteiro é de Meirelles, Tasso Azevedo, Oswaldo Braga de Souza e Claudio Angelo. A direção coube a Gisela Moreau.
Eis algumas das bobagens que eles desmontaram:
Mito número 1: Brasil é o país que tem mais floresta e que mais a protege no mundo.
Não é. Nem uma coisa, nem outra.
O engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas e narrador do vídeo, afirma: “O país que tem mais floresta no mundo é a Rússia”. Neste caso, o Brasil não está acima de todos, fica em segundo lugar; só é primeiro no quesito florestas tropicais.
Coisa de 63% do território nacional tem cobertura florestal. Guiana, Suriname, Congo, Suécia, Finlândia, Japão e outras 14 nações têm proporção maior de área florestada.
Mito número 2: Proprietários rurais brasileiros são os campeões da preservação.
Não são. As terras com matas em propriedades privadas perfazem 33% da vegetação nativa remanescente no Brasil. Perdem para áreas protegidas (unidades de conservação, ou UCs, como parques e reservas, e terras indígenas, TIs), que somam 35%. O restante (32%) está em terras públicas.
Por outro lado, as áreas privadas são as que se encontram sob maior ameaça, pois perderam 20% da cobertura desde 1985. Nas UCs e TIs, o desmatamento foi de apenas 0,5%.
Também é falso que o país seja campeão de proteção, pois tem cerca de 30% do território na forma de UCs e TIs. Bolívia, Colômbia e Venezuela têm mais de 40%. Alemanha e Grécia ficam acima de 30%.
Ocorre que a proteção, no Brasil, se concentra na Amazônia. Se ela for excluída da conta, a proporção cai de modo espantoso: menos de 5% do restante estão protegidos.
Mito número 3: Com tanta proteção prevista em lei, falta terra para plantar no país.
Não é verdade. O Brasil tem a terceira maior área dedicada à agropecuária no planeta. Só perde para China e EUA.
São 2,95 milhões de quilômetros quadrados, ou 34% do território, perto da média mundial de 37%. Em termos per capita (1,17 hectare por habitante), trata-se da maior área cultivada do mundo.
Em resumo:
Os empresários do agro estão dando um tiro no pé —ou melhor, nas raízes— de seu próprio negócio. Estudo publicado na revista científica Nature Sustainability estimou em R$ 2.800 por hectare/ano os serviços ambientais prestados por florestas na forma de regulação hídrica e climática.
O Brasil abriga 4 milhões de propriedades rurais, aproximadamente. Só 0,5% delas, contudo, promovem todo o desmatamento registrado no país. Uma minoria de ogros do século 18, que o agro do século 21 tolera, contra seus próprios interesses de longo prazo, porque bem no fundo são farinha do mesmo saco.
Continuem assim, aplaudindo a política de floresta arrasada de Bolsonaro e Ricardo Salles. Mas depois não venham dizer que não foram avisados.
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