Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Crise do clima ameaça vinhos portugueses do Douro

Com suas parvoíces sobre o futuro do clima, chanceler faz pouco caso das agruras que pairam sobre vinhedos de Portugal

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Há poucos lugares no mundo com a beleza cultivada das encostas do Douro, em Portugal. Ali se produzem vinhos tintos de excelente qualidade e também a matéria-prima que, fortificada na cidade do Porto, dá origem à bebida de mesmo nome. Sua excelência, porém, está ameaçada pela crise do clima.

 A previsão lúgubre não partiu de alarmistas de passeata, mas de pesquisadores do Instituto Politécnico de Bragança e outros centros de estudos em Portugal. Saiu publicada no periódico da Sociedade Real de Meteorologia, do Reino Unido.

Ao correlacionar qualidade de safras e variações na temperatura, o grupo identificou que um aumento moderado na ocorrência de dias muito quentes (acima de 35°C) e de estiagens em fases determinadas do cultivo poderia até melhorar safras na região do Douro.

 

 Os programas de computador que simulam o clima futuro no médio e longo prazo, contudo, mostram que as transformações devem ir além disso. O mais provável é que as temperaturas ultrapassem o intervalo ideal para produção das vinhas, entre 13°C e 21°C.

Nossos bisnetos talvez já fiquem privados de saborear um bom bacalhau –o verdadeiro, Gadus morhua– porque os estoques de peixes maduros estão em retrocesso. Imagine então a infelicidade deles se não puderem também degustar um bom vinho português.

Se o leitor for daqueles que se preocupam com a qualidade de vida de gerações por vir, não convide o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, para uma rodada de Porto. Ao enunciar parvoíces sobre o presente e o futuro do clima, o chanceler faz pouco caso das agruras que pairam sobre os terraços do Douro.

Grande área de plantio de uvas, em colinas, num dia ensolarado; em primeiro plano, uma árvore com flores vermelhas
A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, produtora de uvas - Vitorino Coragem/Folhapress)

“Não há termostato que meça a temperatura global. Existem vários termostatos locais”, disparou o chanceler na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara. Ele pedia uma discussão aberta e não ideológica sobre o aquecimento global.

É o Araújo, entretanto, o primeiro a misturar ideologia com ciência. Com a ausência completa de autoridade de quem confunde termômetro com termostato, acha que basta abrir a boca para refutar mais de três décadas de trabalhos compilados por milhares de cientistas nos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima).

“Nos Estados Unidos, foi feito um estudo sobre estações meteorológicas, e diz que muitas estações que, nos anos 30 e 40, ficavam no meio do mato, hoje ficam no asfalto, na beira do estacionamento”, denunciou. “É óbvio que aquela estação vai registrar um aumento extraordinário da temperatura, comparado com a dos anos 50.”

O ministro não fez a lição de casa. Talvez só tenha lido “Estado de Medo”, livro de 2004 em que Michael Crichton se põe a combater a ideia de mudança climática causada pelo homem. Leitura tediosa, o romance empilha gráficos e notas de rodapé com dados escolhidos a dedo para apontar vieses nas temperaturas médias globais.

Tem muito peso no livro o argumento, soprado por negacionistas na orelha de Crichton, de que as estações meteorológicas se encontram cercadas de áreas urbanas e seus dados de temperatura seriam distorcidos pelo efeito “ilha de calor”. Uma década e meia transcorreu desde o lançamento de “Estado de Medo”, mas Araújo parou no tempo.

Já se provou por A mais B que os dados excluíram essa possibilidade. O ministro se inebriou com teorias da conspiração e tem os olhos turvados pela obsessão com o globalismo. Está sob a influência da zurrapa pseudocientífica que os Bolsonaros importam da Virgínia.

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