Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Chegou o ponto de virada na Amazônia?

Talvez a maior extensão floresta tropical do mundo esteja sob risco de colapso

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Reencontro em Manaus, durante reunião do Rainforest Journalism Fund e da National Geographic Society, o americano Thomas Lovejoy, um dos pioneiros na pesquisa da ecologia amazônica. Aproveito para tirar uma dúvida sobre o limiar de destruição da floresta a partir do qual ela poderia entrar em regressão.

É o tema do ponto de virada (“tipping point”), que ganhou grande repercussão em fevereiro de 2018 com um artigo curto de Lovejoy e do climatologista brasileiro Carlos Nobre na revista Science Advances. Estaria a maior extensão floresta tropical do mundo sob risco de colapso –talvez irreversível– e de se tornar algo mais parecido com uma savana, como o nosso cerrado?

Em 1979, lembra Lovejoy, o pesquisador brasileiro Eneas Salati publicou um estudo elegante comprovando que a mata amazônica originava pelo menos metade da própria precipitação.

Massas de ar úmido vindas do leste, desde o oceano Atlântico, penetram pela floresta, originam chuvas. A umidade é então devolvida à atmosfera pelas árvores, com o fenômeno da evapotranspiração, o que contribui para engordar as nuvens, e assim por diante. O ciclo se repete 5 ou 6 vezes até o sopé dos Andes, a oeste.

Quando o tema do ponto de virada veio à tona em 2007, com trabalho de Carlos Nobre e outro grupo de pesquisadores, o limiar proposto era de 40%. Em outras palavras, se o desmatamento engolisse 2/5 da metade do Brasil coberta por floresta amazônica, poderia interromper-se o ciclo de Salati e iniciar-se uma reação em cadeia de ressecamento progressivo.

Parecia impossível naquela época, diz Lovejoy. De uns tempos para cá, porém, o limite de (in)segurança passou a aparecer na imprensa como sendo 20-25%.

 

É uma fronteira bem mais perigosa, porque já se devastaram quase 20% da Amazônia. Isso segundo o monitoramento por satélites realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) –e que um general bolsonarista diz serem manipulados (em seu lugar, eu me ocuparia menos com os dados de quem sabe o que diz e mais com os dardos do filho do capitão).

Lovejoy explica que os primeiros estudos não incorporavam dois fatores importantes de pressão sobre a floresta, hoje mais conhecidos e estudados. O primeiro é a própria crise do clima, que pode aumentar em 4°C a temperatura da Amazônia e assim incrementar o estresse da vegetação ao dificultar a evapotranspiração.

O outro está na degradação da floresta por seguidos incêndios. Mesmo sem ocorrer corte raso, a mata se resseca quando há desmatamento e queimadas por perto. Além disso, estradas clandestinas abertas por madeireiros ilegais favorecem a entrada de radiação solar pelas brechas no dossel, trazendo mais ressecamento e maior vulnerabilidade ao fogo.

Tudo somado, estaríamos já perigosamente próximos do ponto de virada na Amazônia. Sua ultrapassagem seria um evento portentoso, com impacto sobre o clima planetário e sobre o agronegócio por aqui, mas os pobres de espírito no Planalto só fazem alarmar-se com comunistas debaixo da cama e espiões atrás de cada porta, de olho na Amazônia pelo buraco da fechadura.

Comecei a escrever sobre as agruras da mata tropical uma década depois do artigo premonitório de Eneas Salati. Desde então, foram derrubados pelo menos 415.000 km² de floresta amazônica (um território 16% maior do que o da Alemanha). E o desmatamento agora volta a aumentar.

Se perdermos de vez a Amazônia, será por burrice de brasileiros, que cresceu em impudência com a vitória de Jair Bolsonaro (PSL). Já a temida esperteza dos gringos é aplicada em coisas mais úteis, como a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnologias de sensoriamento remoto que revelam, sem margem para dúvida, toda a extensão de nossa estupidez.

O colunista viajou a Manaus a convite do Rainforest Journalism Fund

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