Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Leite

Governo Bolsonaro coloca a ciência nas trincheiras

CNPq foi criado sob liderança de um almirante; 70 anos depois, capitão comanda a aniquilação da soberania nacional em pesquisa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi criado em 1949 por um presidente militar, general Eurico Gaspar Dutra, após movimento liderado entre outros pelo almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva. No governo do capitão Jair Messias Bolsonaro (PSL), o conselho pode ter de suspender 84 mil bolsas de pesquisa no mês que vem.

Faltam R$ 340 milhões para o CNPq honrar seu compromisso com esses cientistas. Não foi Bolsonaro quem criou tamanha restrição fiscal, verdade, mas está em suas mãos impedir que a estreiteza das planilhas sufoque uma atividade essencial para o país.

Em 2018, o orçamento do CNPq ficou em 55% do que era quatro anos antes. Na Finep, órgão federal que financia inovação, 54% da média de 2010 a 2013. Na Capes, que concede 200 mil bolsas de pós-graduação e formação de professores, estimados 89% do dispêndio de 2014.

Os números deprimentes constam de documento de oito páginas compilado por uma comissão de financiamento à pesquisa reunida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que terminou sua 71ª Reunião Anual dia 27 em Campo Grande (MS).

Coordenado pelo neurocientista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Sidarta Ribeiro, os 15 integrantes –alguns de campos políticos opostos– concordaram ao traçar o panorama lúgubre para a ciência, a tecnologia e a inovação nacionais.

“Vivemos a maior crise da história do SNCTI [Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação], em íntima relação com uma das maiores crises sociais, econômicas e políticas da história do Brasil”, denuncia o documento.

“O orçamento executado do MCTIC [Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações] efetivamente gasto com ciência foi de R$ 3,865 bilhões em 2018 e apenas R$ 932 milhões até julho de 2019 [...]. Regressamos ao nível de investimento de 15 anos atrás.”

Alguém poderia argumentar que a ciência nada tem de especial, que não é o único setor do Brasil a enfrentar penúria de verbas e que precisa dar sua cota de sacrifício para o país sair do buraco financeiro em que o governo Dilma Rousseff (PT) o meteu. Mas ela tem, sim, algo de especial.

“Estima-se que para cada real investido em pesquisa haja um retorno econômico de até 12 reais, a depender da área do conhecimento”, argumenta a comissão. “Cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países industrializados são gerados na economia do conhecimento.”

Setenta anos atrás, razões dessa ordem já inspiravam militares como Álvaro Alberto. Mas essa é uma visão minoritária na corporação, que dá mais importância à soberania sobre recursos naturais do que ao conhecimento para utilizá-los de maneira sustentável –para não falar da vocação autoritária e anti-iluminista que anima os quartéis.

Na sessão da SBPC em Campo Grande em que se apresentaram os dados e razões da comissão, quatro soldados com uniformes camuflados se levantaram para registrar imagens dos presentes. Não poucos viram ali uma tentativa de intimidação, negada de modo impudente pelo Comando Militar do Oeste.

Em 1977, outra reunião da SBPC, que se realizaria no Ceará, foi proibida pela ditadura militar. Mesmo com a interdição, o encontro aconteceu em São Paulo, na sede da PUC-SP, um grande ato de resistência.

Dois meses depois, uma manifestação no mesmo local para recriar a banida União Nacional dos Estudantes (UNE) motivou invasão de 3.000 policiais, comandada pelo coronel Erasmo Dias, que resultou na detenção de quase mil estudantes.

Bolsonaro está mais para Erasmo Dias do que para Álvaro Alberto.
 

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.