Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Agricultura trabalha para agravar caos fundiário

Só com ingenuidade, ou más intenções, dá para acreditar que regularização à Nabhan e Bolsonaro vá produzir algo além de mais grilagem

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A simples exigência de CPFs de dependentes fez desaparecerem das declarações de IR, de um ano a outro, 1,2 milhão de crianças de 8 a 12 anos. Na pátria das fraudes, confiar em autodeclaração equivale a um tiro no pé do Estado —para não falar de quando só decorre de más intenções.

Em se tratando de Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, tudo se pode esperar. O ruralista que queria ser ministro e deplora terras indígenas quer regularizar 800 mil imóveis sem títulos com base só no que seus ocupantes declararem.

Haja fé na honestidade alheia (na melhor das hipóteses, improvável). Ou na tradição do Estado de chancelar a usurpação de direitos e do patrimônio público. Fazer regularização fundiária com autodeclaração, como quer Nabhan, só vai institucionalizar o esbulho e aumentar a insegurança jurídica no setor rural.

O presidente da República Jair Bolsonaro e Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário especial de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e Indígenas Guajajaras
O presidente da República Jair Bolsonaro e Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário especial de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e indígena Guajajara - Carolina Antunes/PR

O alerta aparece numa nota técnica obtida pela coluna a ser divulgada hoje por um time de especialistas. Liderados por Gerd Sparovek, da Esalq-USP, eles apontam o previsível incremento do caos fundiário se Nabhan conseguir emplacar sua medida provisória.

Em artigo recente publicado na revista acadêmica Land Use Policy, integrantes do grupo já haviam indicado que 1/6 do território nacional estão oficialmente sem dono. Terras públicas, a princípio, mas também alvo fácil para grilagem.

O retrospecto da autodeclaração entre proprietários rurais é péssimo. Considere os casos do imposto sobre a terra (ITR), e do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Em 2018, cerca de 5 milhões de imóveis propiciaram arrecadação de R$ 1,5 bilhão de ITR, com base nas informações dos declarantes. Estudo do Instituto Escolhas, porém, partindo de imagens de satélite e do valor de mercado da terra, estima que o valor devido seria de R$ 5,8 bilhões.

Para preencher o CAR, o ocupante da área entrega ao banco de dados unificado no Serviço Florestal Brasileiro informações digitais (georreferenciadas) sobre os limites do sítio ou fazenda. Os dados têm então de ser validados pelo poder público, pois 95% dos imóveis apresentam superposição com outras propriedades e até com unidades de conservação e terras indígenas.

A validação avança a passos de jabuti. Cinco anos depois, os estados em melhor situação verificaram só 5% dos CARs depositados. Outros não passam de 1%, e há aqueles que sequer iniciaram o processo.

Até onde se sabe, a regularização ao estilo Nabhan não prevê validação. Mesmo que se exijam imagens de satélite passíveis de verificação, haveria favorecimento a grandes fazendeiros, que têm recursos e meios tecnológicos para obtê-las.

Os pequenos proprietários terão maior dificuldade para obter seus títulos. Grileiros declararão como posses terrenos invadidos em unidades de conservação ou pagarão merrecas por terras açambarcadas da União.

Seria preciso muita ingenuidade, ou más intenções, para acreditar que a regularização pretendida pelo ruralismo radicado no governo de Jair Bolsonaro (ainda PSL) vá conduzir a algo além de mais grilagem, mais conflito no campo e mais destruição de florestas movida pela especulação fundiária.

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