Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Brasil precisa de um Nobel

Peter Medawar foi o único brasileiro a receber o prêmio

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Ao longo da semana, começando nesta segunda (7) com a láurea em medicina ou fisiologia, acontece a safra de prêmios Nobel de 2019. Está bem próxima de nula a chance de que o Brasil colha algum, embora precise dele mais do que qualquer outro país.
 
Há um movimento para que o caiapó Raoni Metuktire ganhe o Nobel da Paz. Pode ser. Mas, caso saia mesmo um prêmio para o campo verde, Greta Thunberg parece ter mais chances na sexta-feira (11).

O chefe indígena brasileiro, Raoni Metuktire, do povo Kayapo
O chefe indígena brasileiro, Raoni Metuktire, do povo Kayapo - Nicolas Tucar/AFP

 
Se a previsão agourenta se confirmar, continuaremos virgens na matéria. Ou quase virgens: na lista oficial da Fundação Nobel o país aparece uma vez, com Peter Medawar, que ganhou o galardão de medicina em 1960 “pela descoberta da tolerância imunológica adquirida”.
 
Peter quem? Medawar, nascido em Petrópolis filho de pai libanês e mãe inglesa, foi registrado na Embaixada Britânica. Sua nacionalidade oficial não era brasileira, mas a relação dos prêmios por país leva em conta o local de nascimento.
 
Até o nosso Nobel é fake. Para completar a humilhação, a Argentina conta quatro, dois em medicina e dois da paz. Três deles genuínos, por assim dizer, já que o quarto, César Milstein, fez no Reino Unido os estudos pelos quais foi agraciado em 1984.
 
Medawar deixou o Brasil entre o final da Primeira Guerra, quando tinha cerca de 3 anos, e os 7 anos de idade, e realizou toda a sua formação em território britânico. Não se identificava como brasileiro nem manteve laços significativos com a pesquisa nacional.
 
Compreende-se. O Brasil nunca foi um país hospitaleiro para pesquisadores, embora vários governos tenham financiado sua atividade. O buraco está mais acima: não se cultiva por aqui um valor elevado para a ciência.
 
De outro modo, como explicar que, mesmo em tempos de vacas gordas, sempre tenha sido um suplício importar equipamento e insumos para pesquisa? Desconfiança acima de tudo e burocracia acima de todos. Fiscais têm mais prestígio que cientistas.
 
Não que haja falta deles, com cerca de 200 mil pesquisadores na ativa. Mas a maior parte se acomodou em empregos públicos, sem incentivos para empreender estudos mais que medíocres, participar de redes internacionais, ir além da inevitável mobilização por salários e condições de trabalho.
 
Não estranha que muitos dos mais talentosos optem por abandonar esse ambiente tóxico e por seguir carreira no exterior. E que, depois, desistam de voltar ou de manter colaboração com laboratórios no país de origem, tamanhos os empecilhos.
 
Uns poucos retornam, premidos pela obrigação moral de retribuir ao país pelo investimento da sociedade em sua formação na universidade pública. Em meio à adversidade, conseguem realizar aqui pesquisas de interesse para o Brasil que dificilmente encontrariam apoio em terra estrangeira.
 
Se pudesse conceder a medalha a um brasileiro, escolheria entre essas pessoas que, agora, enfrentam a mãe de todas as crises de verbas e consideração produzidas no Planalto. Elas, sim, merecem a fama de heroínas e heróis, não quem dispara fuzis na rua cheia de gente em favelas e periferias.

Erramos: o texto foi alterado

Uma versão anterior desta coluna dizia que o cientista Peter ​Medawar, nascido em Petrópolis, deixou o Brasil aos 15 anos. A data de retorno ao Reino Unido na realidade é incerta, mas teria ocorrido entre o final da Primeira Guerra, quando Medawar tinha cerca de 3 anos, e os 7 anos de idade. O texto já foi corrigido.

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