Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Petróleo é a nossa Floresta Escura

Aquecimento global lembra a batalha cósmica de civilizações nos incríveis livros de Cixin Liu

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O entusiasmo cego dos brasileiros com o petróleo do pré-sal sugere para mim um paralelo maluco com a trilogia de ficção científica do chinês Cixin Liu, “Rememoração do Passado da Terra”. Mais exatamente, com o segundo livro da série, “Floresta Escura”.
 
Esta coluna tentará explicar o paralelo. Antes, é imperativo dizer que se trata da melhor obra do ramo lida em muitos anos: fantasia enigmática, inventiva e minuciosa sobre o tema central da boa ficção científica, a natureza humana (neste caso, seria correto dizer natureza da civilização, das civilizações).
 
Mais um aviso: não sou contra a exploração do pré-sal. Não há como renunciar a obter uma riqueza que poderia ajudar milhões de brasileiros a sair da pobreza.

Só que não está ajudando. Na realidade está contribuindo para piorar suas vidas –e a de centenas de milhões de pobres pelo mundo– porque estamos fazendo tudo errado, aqui e mundo afora.
 
O certo seria usar muito pouco do pré-sal e de qualquer jazida de combustível fóssil,  para evitar o agravamento da crise do clima e usar essa renda para revolucionar a produção de energia na direção das renováveis. Só uma pequena parte das reservas mundiais de óleo e gás pode ser extraída sem lançar o planeta numa espiral trágica de aquecimento.
 
Aí vem à mente o paralelo com Cixin Liu. “Floresta Escura” é o universo habitado por um número insondável de civilizações, algumas com tecnologia fatal e imensamente mais desenvolvidas que a terráquea. O bastante para viajar a frações da velocidade da luz com uma frota voltada a aniquilar a humanidade dentro de poucos séculos.
 
A sociologia cósmica imaginada por Liu se baseia nos princípios da sobrevivência e da desconfiança universal. Sem comunicação entre duas civilizações de sistemas planetários distantes, não há como uma delas saber se a outra tem poder e intenção para destruí-la. A única saída é atacar.
 
No primeiro livro, humanos descobrem que uma esquadra de Trissolaris chegará em cerca de 400 anos para tomar-lhes a Terra. Uma Batalha do Juízo Final acontece no futuro, mas o fantástico personagem Luo Ji consegue dissuadir trissolarianos ameaçando-os com aniquilação mútua.
 
A situação de equilíbrio precário lembra a da Guerra Fria, quando arsenais atômicos poderiam destruir URSS e EUA várias vezes e, por isso, não chegaram a ser usados. No caso do petróleo, nenhuma civilização –nenhum país, melhor dizendo– se empenha hoje em evitar o pior, ou se vê forçada a isso.
 
Talvez porque a mortandade garantida pelo aquecimento global desenfreado vá ocorrer a longo e lento prazo, ninguém renuncia a queimar diariamente alguns megatons de petróleo. Agimos como se a frota trissolariana não estivesse acelerando em nossa direção.
 
Na trilogia de Liu, a humanidade já dispõe da tecnologia de hibernação para suspender a vida de alguns heróis e reanimá-los séculos depois. A história precisa continuar. Alguns deles acordam numa civilização de cidades subterrâneas, criada por sobreviventes da hecatombe ambiental planetária conhecida como Grande Ravina.
 
Não deixa de ser um consolo saber que não sobram anos de vida suficientes para ver a Terra arder como uma Grande Califórnia, ou testemunhar o advento da tecnologia de hibernação que permitiria atravessar essa Floresta Escura. Mas é deprimente imaginar que os netos poderão ser obrigados a tanto.

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