Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Leite

Se nada for feito, a atmosfera ainda pode esquentar desastrosos 3ºC

Para cientistas, entretanto, apesar do aumento da temperatura global iminente, há pessimismo demais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jornalistas que escrevem sobre clima são com frequência acusados de alarmismo. Eles seriam propensos a dar atenção demais para os cenários catastróficos que o planeta enfrentaria até o fim deste século —faltam só 80 anos— caso nada fosse feito para conter o aquecimento global.

Há alguma verdade aí, afirmaram Zeke Hausfather e Glen Peters na quinta-feira (30) em comentário para a revista científica Nature. Como nenhum dos dois é negacionista da crise do clima, bem o contrário, convém ponderar o que têm a dizer —e adiantar que sua mensagem não chega a ser tranquilizadora.

Hausfather já apareceu aqui em dezembro, como autor de estudo mostrando os acertos de modelos de computador empregados para predizer a evolução do clima da Terra. Sua nova investida tem algo a ver com isso.

O ponto de partida para as simulações é a quantidade de carbono emitido na atmosfera, como o gás carbônico (CO2) resultante da queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, derivados de petróleo e gás natural). Para rodar os modelos, pesquisadores precisam traçar projeções sobre a trajetória das emissões nas próximas décadas.

No mais das vezes, os relatos sobre previsões do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, ligado à ONU) enfatizam a comparação entre 2 dos 4 cenários desenvolvidos para seu relatório de avaliação de 2014 (AR5). Um mais otimista, conhecido entre especialistas como RCP2.6, e outro mais pessimista, RCP8.5.

O primeiro supõe que governos e empresas adotarão medidas para descarbonizar a economia capazes de limitar o aquecimento adicional bem abaixo de 2ºC, como estabelecido no Acordo de Paris (2015). Vale dizer, o tanto de poluição climática que é preciso evitar para agregar menos de 1ºC ao que a atmosfera já se esquentou desde a Revolução Industrial.

O cenário RCP8.5, em geral tomado como “business as usual” (mais do mesmo) supõe que nenhuma dessas providências seria tomada, com aumento contínuo de emissões de carbono e a temperatura média mundial galgando cataclísmicos 5ºC. O galho, segundo Hausfather e Peters: tal cenário está pessimista demais.

Nele se projeta, por exemplo, que a queima de carvão mineral se multiplicaria por 5 até o ano 2100. Isso pode ser considerado altamente improvável, tendo em vista que o consumo desse combustível fóssil já atingiu um patamar; pode haver flutuações, conforme varia a conjuntura econômica, mas não o crescimento exponencial embutido no RCP8.5.

Os autores do comentário na Nature defendem que, no próximo relatório do IPCC (AR6), cenários extremos como o RCP8.5 sejam qualificados de maneira mais clara como improváveis. A ideia é prevenir que venham a ser apresentados para o público como “business as usual”, coisa que já não são.

O ideal, propõem, é comparar o que tomadores de decisão precisam adotar para cumprir Paris com o risco de não fazer isso. Mesmo com trajetória modificada pela queda contínua da queima de carvão e dos custos de fontes limpas de energia, como eólica e solar, a temperatura média global ainda ultrapassaria 3ºC, impondo impactos enormes para a população e a economia.

Trata-se de aferir o velocímetro, não de retirar radares de velocidade máxima na estrada que beira o precipício.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.