Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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O enigmático experimento sueco com Covid-19

Brasil segue de perto os EUA, onde a curva de infecções por coronavírus voltou a empinar

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O “resfriadinho” de Jair Bolsonaro já infectou 10 milhões no mundo e matou meio milhão, quase 60 mil no país que desgoverna. Num dos rompantes macabros para justificar sua propaganda contra distanciamento social, o presidente cometeu a estultice de nos comparar com a Suécia, elogiando a ausência de lockdown por lá.

Aqui nunca houve trancamento, a não ser de dados sobre casos e mortes de Covid-19 pelo Ministério da Saúde. Lá, o Estado eficiente e um governo decente assumem riscos calculados (e controversos); aqui, o Planalto só se ocupa de estratégias para escapar da Justiça, imprimindo cadência militar à marcha genocida do coronavírus.

Em lugar de alucinar um paralelo da Suécia com o pária do mundo, mais correto seria comparar as políticas sanitárias daquele país diante da pandemia com as seus congêneres escandinavos. Foi o que fizeram Steffen Juranek e Floris Zoutman, da Escola Norueguesa de Economia (tinyurl.com/y784y7fm).

Dinamarca, Noruega e Suécia viram a pandemia decolar quase ao mesmo tempo, no início de março. São países com populações pequenas (respectivamente 5,8 milhões, 5,4 milhões e 10,3 milhões de habitantes), que têm renda média alta, ostentam expectativas de vida acima de 81 anos e gastam com saúde 10-11% do PIB.

(Entre 211,7 milhões de brasileiros, a expectativa de vida não passa de 76,3 anos. O dispêndio em saúde é de 9,2% do PIB, mas o gasto por pessoa aqui fica entre 1/4 e 1/5 do destinado na Escandinávia. As instituições claudicam, e o capitão lhes dá coturnadas seguidas. Não há comparação cabível.)

Já as três nações escandinavas homogêneas imploram por comparação, uma vez que adotaram políticas díspares de distanciamento social. A Suécia cancelou eventos públicos, controlou viajantes internacionais e intensificou campanhas de esclarecimento, enquanto as outras duas, mais rigorosas, fechavam escolas e escritórios.

Se fosse um teste científico planejado, a Suécia poderia figurar como grupo de controle (restrições mínimas), e as vizinhas, como grupo de tratamento (aplicação de medidas de isolamento similares às de outros países europeus). Um experimento natural, por assim dizer, mas nascido de decisões políticas.

Os resultados até aqui não foram bons para os suecos. Colheram 5.280 mortes, contra 604 entre dinamarqueses e 249 de noruegueses. Mesmo ponderando os óbitos com base na população, o retrospecto é ruim: 51,1 mortos por 100 mil, contra 10,4 e 4,6, respectivamente, nos outros casos.

Juranek e Zoutman calculam que, se a Dinamarca seguisse o protocolo sueco, em lugar de achatar a curva de casos veria o pico da epidemia ser postergado por duas semanas adicionais de crescimento acelerado, com aumento de 134% nas internações e de 107% nas admissões em UTIs. As mortes acumuladas no período subiriam 167%.

Na Noruega, os óbitos dariam salto de 459%, com 231% mais hospitalizações e 140% mais UTIs ocupadas. Juranek e Zoutman concluem que as duas nações, se agissem de maneira menos cautelosa, à sueca, chegariam perto do colapso dos sistemas de saúde.

Estrategistas da Suécia fizeram aposta arriscada na perspectiva de alcançar mais rapidamente a imunidade coletiva (ou “de rebanho”, expressão antipática). Ainda há quem a defenda, por lá, e seus argumentos não são desprezíveis.

Um deles: como proporção da população do país, a taxa de mortalidade de 51,1 por 100 mil é menor que a de vários países europeus, como Bélgica (84,7/100 mil), Reino Unido (65,3) e Itália (57,4).

Diante desse panorama, a miopia dos bolsonaristas comemorará o fato de ficarmos bem atrás da própria Suécia, com 27 mortos de Covid-19 por 100 mil brasileiros. Esquecem, ou omitem, que a nossa contagem cresce muito mais rápido, ao ritmo de mil óbitos por dia, em média, com a epidemia ainda fora de controle.

Não há país na Europa que se compare com o Brasil, pois lá a maioria chegou a um patamar e começou a cair. Nós seguimos de perto os EUA, onde a curva de infecções voltou a empinar e, como aqui, quem manda é um celerado avesso à lógica, à decência e ao conhecimento.

Como chegaram lá, e aonde vão nos levar –eis os verdadeiros enigmas.

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