Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu Coronavírus genética

Ninguém provou que Trump e Bolsonaro erraram origem do Sars-CoV-2

Origem acidental do Sars-CoV-2 convence mais que paranoia de Trump e Bolsonaro

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Como quase todos os jornalistas de ciência, até aqui descartava como teoria conspiratória a ideia de a Covid ter surgido no Instituto de Virologia de Wuhan (IVW), cidade de origem da pandemia. Não mais, após ler reportagem do veterano Nicholas Wade no site Medium por sugestão de outra fera, Álvaro Pereira Júnior.

Não que Donald Trump ou Jair Bolsonaro estejam certos ao espalhar que o vírus Sars-CoV-2 foi fabricado por chineses para pôr o mundo de joelhos, longe disso. Mas ninguém provou tampouco que estivessem de todo errados; não se exclui que o corona possa ter escapado por acidente do IVW.

Wade fez minuciosa reconstituição de prós e contras das duas explicações concorrentes sobre o aparecimento do vírus. A mais aceita aponta morcegos como repositório natural do patógeno, que teria saltado para humanos a partir de hospedeiro ainda não identificado (falou-se em pangolins, mas não há evidência disso).

Em carro escuro, profissionais de máscara em frente a fachada de tijolos
Equipe da OMS chega ao Instituto de Virologia de Wuhan, na China, para investigar origem do coronavírus - Hector Retamal - 31.mar.21/AFP

A outra teoria indica que o Sars-CoV-2 teria infectado humanos a partir do laboratório da virologista Shi Zengli no IVW, possivelmente colaboradores seus. Nenhuma das hipóteses pode ser excluída, mas Wade —jornalista que cobre engenharia genética desde seus primórdios nos anos 1970— defende que as evidências favorecem a segunda.

Primeiro, algumas razões enfileiradas por ele contra a explicação de uma origem natural da zoonose. Não se localizou população alguma de morcegos com essa variedade particular de coronavírus, que aliás tem dificuldade para infectá-los, nem o animal intermediário.

Cavernas onde os quirópteros suspeitos abundam ficam a 1.500 km de Wuhan, e os bichos não voam mais que 50 km. Não há evidência biológica ou molecular de que o Sars-CoV-2 tenha sofrido mudanças características das adaptações esperadas num longo processo de transferência entre espécies.

Inexiste registro hospitalar de pneumonias atípicas nos arredores de onde há populações de morcegos e humanos em convívio estreito (não é o caso de Wuhan). Descobriram-se casos anteriores de Covid sem relação com o mercado apontado de início como ponto de origem na cidade.

Artigos de críticos da teoria conspiratória alegam que o novo coronavírus não carrega “cicatrizes” típicas de vírus construídos em laboratório. Wade contrapõe que há outras técnicas para modificar seus genomas, que não deixariam os rastros procurados pelos céticos.

Shi se especializou em coletar morcegos e betacoronavírus nas cavernas e em manipular geneticamente o patógeno. Eram experimentos de “ganho de função”: modificar proteínas como a S (espícula) para aumentar a infecciosidade em células humanas, sob pretexto de adquirir conhecimento para identificar variedades silvestres com potencial pandêmico.

No outono, antes de reconhecido o surto de Covid em Wuhan, funcionários do IVW adoeceram com sintomas compatíveis com Covid e foram internados. O governo chinês selou todos os registros e documentos do instituto e controlou os passos da comissão da OMS que investigava a origem do Sars-CoV-2, nada conclusiva.

A reportagem enfileira detalhes técnicos complicados que sugerem um escape laboratorial. Coisas como sequências de “letras” (bases) genéticas típicas de seres humanos usadas nas experiências de ganho de função, inclusive por Shi —ironicamente, com financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH).

A leitura da investigação de Wade torna-se obrigatória. Sobretudo por quem, como eu, rechaçou uma origem artificial do novo coronavírus muito porque, vindo de Trump e Bolsonaro, só poderia ser mentira.

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