Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Richard C. Lewontin (1929-2021), pioneiro da genética antirracista

Lewontin descobriu mais variação dentro de grupos ditos 'raciais' do que entre eles

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Um privilégio desta profissão consiste na oportunidade de conhecer pessoalmente alguns heróis intelectuais. Num sabático em Harvard, nos anos 1990, o jornalista aficionado por evolução podia ainda conversar com Ernst Mayr, Edward O. Wilson ou Stephen Jay Gould –e frustrar-se ao ser ignorado por Richard C. Lewontin.

Com exceção de Wilson, todos já morreram. O último a desfalcar a geração de grandes pensadores da biologia com epicentro em Cambridge, Massachusetts, aos 92 anos, foi Lewontin, parceiro discreto de Gould contra a sociobiologia de Wilson.

O fulcro de sua visão generosa da biologia indicava que ela não pode e não deve ser usada para justificar iniquidades sociais e naturalizá-las sob o disfarce de objetividade científica. Um de seus alvos preferidos eram testes de QI e supostas correlações com agrupamentos étnicos e raciais.

Richard C. Lewontin
Richard C. Lewontin - Caltech/Reprodução

Atire a primeira pedra quem nunca disse que judeus são inatamente mais inteligentes e negros são mais aptos para esportes. Mesmos que tais diferenças prevaleçam em certas épocas e lugares, é empreendimento fútil (ou suspeito) buscar no DNA seu fundamento.

Determinismo é a doença infantil do genocentrismo. Já em 1972 Lewontin mostrava que havia mais variação genética dentro de cada “grupo racial” do que entre diversos contingentes socialmente definidos. Faltava homogeneidade para falar em “grupos” separados.

Explicações biológicas são marcadas pelo tempo e dizem algo sobre ele. “Essas mudanças têm sido em parte um reflexo da revelação de novos fatos biológicos, mas só em parte”, ensinou Lewontin no texto “A repartição da diversidade humana”.

O capítulo está no livro “Biologia Evolutiva”, editado por Dobzhansky, Hecht e Steere. Segue Lewontin: “[Tais mudanças] também refletem vieses sociopolíticos gerais derivados da experiência social humana e contrabandeados para domínios ‘científicos’”.

Para alguém das ciências humanas habituado a questionar pressupostos, soava como música. Mesmo ao admirador das tecnociências naturais, da engenharia genética à genômica, persiste o imperativo de não se deixar arrastar por entusiasmo com a novidade que tudo promete explicar.

Após anos lendo e editando textos de Gould na Folha, o nirvana era sentar-se no auditório do Museu de Zoologia Comparada de Harvard e ouvir conferências do paleontólogo, evolucionista e escritor para alunos de graduação.

Bem mais difícil de acompanhar era a disciplina de pós-graduação sobre genética e evolução que Lewontin ministrava com Gould. Este ainda aceitou marcar um encontro no horário de atendimento de alunos, apesar da ojeriza por jornalistas.

De Lewontin nunca houve resposta aos pedidos de reunião. Ele morava em Vermont e viajava a Cambridge apenas para as aulas, em que não perdia chance de ironizar Gould, e só reservava tempo para seus orientandos.

Por sorte escrevia, muito e bem. Livros como “Not in Our Genes” (não em nossos genes) e “A Tripla Hélice”. Além do ensaio clássico contra o adaptacionismo, com Gould, tomando por metáfora de resultados sem desígnio os tímpanos da catedral de São Marcos em Veneza (dê uma busca com “spandrels”).

Com a morte de Lewontin, fecha-se uma época. Para nosso esclarecimento e contraditório, assim como Wilson deixou herdeiros como Steven Pinker, ele e Gould também legaram os seus –por exemplo Richard O. Prum, autor de “The Evolution of Beauty” (a evolução da beleza).

Leia e reflita mais sobre falácias naturalistas a respeito da evolução de características e comportamentos muito humanos.

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