Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Se Bolsonaro não atrapalhar, SUS pode erradicar malária até 2035

No Brasil, a febre terçã já vem sendo derrotada pelo sistema público de saúde mesmo sem vacina da OMS

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A chancela da Organização Mundial da Saúde (OMS) para disseminar a vacina RTS,S (Mosquirix) contra malária significa ótima notícia para nações da África, mas de pouco impacto no Brasil. Aqui, a febre terçã já vem sendo derrotada pelo SUS mesmo sem imunizantes.

É um daqueles casos em que o país melhora na surdina, por obra de funcionários anônimos que cumprem obrigações independentemente dos incapazes locupletados em Brasília. De mais de 600 mil casos anuais de malária na virada do século, caímos para 141 mil em 2020, e é factível alcançar a meta de eliminá-la até 2035.

Mosquito em pele branca, com sangue escorrendo de sua cauda
O mosquito do gênero Anopheles, principal vetor do parasito que causa malária - Jim Gathany/CDC/Divulgação/Reuters

O objetivo intermediário do SUS prevê reduzir em 90% os casos no ano 2030. Avanço similar já se obteve com as mortes por maleita, que encolheram de 245 em 2000 para 24 em 2020.

Em comparação com a África sub-saariana, estamos no paraíso do impaludismo. Lá se concentram 94% das 229 milhões de infecções e das 409 mil mortes registradas em 2019.

A febre tira a vida principalmente de crianças até 5 anos (67% do total mundial). É para salvá-las, às dezenas de milhares, que a OMS recomendou semana passada aplicar quatro doses da vacina RTS,S, ainda que ela previna meros 30% dos casos graves, que não raro resultam em óbitos.

A pesquisadora brasileira Ruth Nussenzweig (1928-2018) não viveu para ver a consagração do imunizante criado pelo Instituto de Pesquisa do Exército Walter Reed (EUA) e pela empresa GSK. O veio que rendeu ouro havia sido aberto por estudos seus dos anos 1960.

Ruth e o marido, Victor, já viviam então fora do Brasil. Primeiro na França e em seguida nos EUA, onde fizeram carreiras destacadas na Universidade de Nova York.

O casal ensaiou voltar ao país após a incursão francesa, mas a ameaça de perseguição política na ditadura militar tornou o exílio permanente. A mesma perspectiva que se recoloca agora para centenas de cientistas promissores, acossados pela penúria mental, moral e orçamentária do pesadelo bolsonarista.

Em que pese a tragédia fomentada por Jair Bolsonaro no campo da Covid-19, que por obra sua ainda mata num dia 20 vezes o que a malária mata em 12 meses, os dois primeiros anos do governo não conseguiram implodir a obra do SUS na prevenção da mais famosa doença tropical. De 2019 para 2020 houve queda de 10,5% nos casos, ou 27,5% na comparação com 2018.

O combate à malária se mostra mais fácil que em terras africanas porque predomina no Brasil o protozoário Plasmodium vivax (84% das infecções), menos mortífero que o P. falciparum que tanto estrago faz na África. Drogas profiláticas e antimaláricas conseguem algum resultado contra o parasita.

Outro instrumento eficaz são mosquiteiros impregnados com inseticida de longa duração, para evitar picadas dos mosquitos anofelinos vetores do protozoário. Conhecido pela abreviação Mild, o recurso de baixa tecnologia tem custo reduzido, se comparado com a vacina.

No Norte, é comum o uso de mosquiteiros para evitar contato com transmissor da malária - Antônio Gaudério - 14.mai.2003/Folhapress

Não se subestime, contudo, a capacidade de Bolsonaro de pôr tudo que funciona a perder. Ainda que casos e mortes estejam em recuo, três indicadores atuais suscitam preocupação.

Primeiro, o aumento de 33% nas infecções pelo P. falciparum. Segundo, o fato de 164 municípios não terem alcançado metas de redução, concentrados em estados da fronteira agropecuária com forte presença bolsonarista (RO, RR e MT).

Por fim, enquanto a moléstia retrocede na Amazônia toda, ela progride em dois tipos de áreas pelas quais o presidente tem fixação: terras indígenas (aumento de 15% em 2020) e garimpos (+56%). Nas primeiras, provavelmente por descaso de índole genocida; nos segundos, decerto por excesso de atividade e descontrole.

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