Bem que a delegação brasileira tentou fantasiar-se de boa moça na cúpula do clima em Glasgow. Elevou de 43% a 50% a meta de corte de gases do efeito estufa em 2030 e assinou um compromisso de 96 países para reduzir em 30% o metano nesta década e uma declaração de boas intenções sobre florestas, com 124 nações.
Só que não: neste caso, também, foi golpe. "Golpe" no sentido de conto do vigário, logro, estelionato, engodo. Jair Bolsonaro não tem intenção de cumprir nada do que promete.
O cheiro de queimado vem das ações, omissões e enganações do governo. Elas não se limitam ao ocupante do palácio do Planalto, envolvem também seu vice, Hamilton Mourão.
Mesmo rebaixado a zelador da Amazônia, o general se fez cúmplice do presidente ao ensaiar comédia para inglês ver na COP26. Cúmplice ludibriado, pois Bolsonaro deixou Mourão falando sozinho ao não renovar sua terceira excursão à floresta, a operação GLO (garantia da lei e da ordem) Samaúma.
A revelação está em reportagem de Vinicius Sassine: durante 45 dias, o vice deu como real uma operação militar que nunca existiu. O famoso caô: em 24 de agosto, Mourão anunciou em reunião do Conselho da Amazônia que a terceira GLO sob seu comando seria estendida, como teria acordado com o Ministério da Defesa.
A renovação nunca aconteceu. A Samaúma acabou uma semana depois, mas não a disposição do vice para aplicar nova demão de verniz verde-oliva na antipolítica ambiental de Bolsonaro.
O general dissera na ocasião que tinha conversado com o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, "para que estenda a GLO, com os recursos que restaram, de modo que, quando os nossos negociadores chegarem a Glasgow para a COP26, em novembro, se tenham números positivos".
Mourão errou na concordância e na jactância. Suas GLOs —Verde Brasil, Verde Brasil 2 e Samaúma— torraram R$ 550 milhões para combater desmatamento e queimadas sem obter resultado significativo.
Em 2020, a destruição da floresta Amazônia alcançou 10.851 km², recorde em 12 anos. Um aumento de 7% sobre o dado de 2019, que já havia retornado ao patamar de cinco dígitos.
O resultado deste ano ainda não saiu, embora a estatística do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) costume ser publicada antes das COPs, ao menos quando a cúpula do clima se realiza em dezembro. A data de divulgação não é fixada pelo Inpe, mas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
De todo modo, entre agosto de 2020 e julho de 2021, período analisado com imagens de satélite, houve 8.793 km2 de alertas de desmatamento pelo sistema Deter do Inpe, menos confiável para mapear área desmatada que o Prodes, do qual sai o dado anual oficial. O Deter sempre aponta número menor que o Prodes.
Se o resultado oficial, que já deve estar pronto, fosse bom, é de esperar que o Planalto o anunciasse antes de Glasgow. O único dado recente não veio do governo e é ruim para o Brasil: suas emissões de carbono em 2020 subiram 9,5%, segundo o consórcio de ONGs Seeg.
É isso o que o Brasil tem para mostrar em Glasgow: descontrole sobre sua maior fonte de emissões de carbono. Com o prontuário de agressões ao ambiente no governo Bolsonaro e sua propaganda enganosa, de nada adianta reciclar meta de seis anos atrás, assinar declaração de florestas e prometer redução de metano.
Planalto e o Congresso apinhado de pecuaristas são sócios na destruição da Amazônia e do cerrado. Mourão é o boi dessas piranhas.
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