Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descobridor do HIV e Bolsonaro viralizam besteiras simiescas sobre vacinas

Montagnier comprova que prêmio não imuniza contra irresponsabilidade

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Completaram-se 40 anos dos primeiros casos de Aids nos EUA, e duas coisas vêm à memória: o papel dos chimpanzés nessa outra pandemia e a decadência moral e intelectual de Luc Montagnier, ganhador do Nobel de Medicina em 2008, que desceu ao nível primatológico de Jair Bolsonaro nos dois quesitos.

A demonstração de que o vírus da imunodeficiência humana (HIV) passou de macacos Pan troglodytes para nossa espécie veio em 1999, 18 anos depois dos primeiros gays diagnosticados. O próprio HIV demorou dois anos para ser identificado, pelo francês Montagnier e pelo americano Robert Gallo, em artigo de 1983.

A façanha de indiciar os chimpanzés foi liderada por Beatrice Hahn, da Universidade do Alabama, conforme noticiou esta Folha. Verificou-se, na época, o enorme parentesco genético entre o HIV e o SIVcpz, presente no sangue de P. troglodytes, que teria infectado caçadores africanos ao manipularem carne de macacos.

Fita vermelha que simboliza a luta contra a Aids, em frente à Casa Branca
Fita que simboliza a luta contra a Aids, em frente à Casa Branca - Mandel Ngan/AFP

Mesmo com essa longa história, muito conhecimento acumulado e bilhões investidos em pesquisa sobre Aids, a síndrome ainda não conta com vacina efetiva. O tratamento com antirretrovirais evoluiu muito, verdade, mas o HIV é osso duro de roer.

Com o novo coronavírus Sars-CoV-2, o percurso tem sido bem diferente. Ainda não se encontrou o local de origem do salto do patógeno de algum animal, provavelmente morcegos, para humanos. Mas, afinal, transcorreu pouco tempo —e pode ser que isso nunca venha a ser definido.

No que respeita a vacinas, tudo se deu de modo muito diverso: em um ano havia vários imunizantes disponíveis. Mais um ano e 44% da população mundial se encontra vacinada contra o corona. Ainda assim, a Covid-19 já matou 5,3 milhões em dois anos, versus 37 milhões da Aids em 40.

Diante da gravidade do flagelo da Covid, ainda que cedo mitigado pela vacinação, o que faz Montagnier? Do topo de sua suposta autoridade como nobelista, em verdade muito abalada por outras besteiras ditas, apresenta-se como propagador de desinformação sobre imunizantes anti-Sars-CoV-2. É de matar.

Nem é o caso de reproduzir aqui os absurdos simiescos que o francês andou espalhando, para entusiasmo dos negacionistas de vacinas. Estes, aliás, circularam declarações falsas atribuídas a Montagnier, segundo as quais vacinados morreriam em dois anos. Nem o laureado meio perdido seria capaz de tamanho disparate.

A ignorância (ou má-fé) de Bolsonaro, porém, é de outra dimensão. Na segunda quinzena de outubro, o presidente da República (quem diria) disseminou numa de suas transmissões de quinta que a vacina da Covid estava associada com Aids.

Difícil imaginar vilania maior. Até a paquidérmica rede social de Zuckerberg se mexeu para tirar o vídeo do ar, e o capitão se viu contraditado, entre outros, pelo contra-almirante que plantou na Anvisa, Antonio Barra Torres, e por Robert Gallo.

O presidente não parou por aí, claro, e seguiu matraqueando o que o gabinete do ódio lhe joga no teleprompter. Vale tudo para semear dúvidas sobre vacinas que negligenciou, até atribuir à Organização Mundial da Saúde a afirmação de que imunizados podem pegar Covid, transmitir o corona e morrer.

Como alertou Denise Garrett, do Instituto Sabin, só faltou o presidente dizer que os totalmente vacinados têm 1/5 de risco de se contaminar, 1/11 do risco de morrer e transmitem 50% menos.

É de matar. E nada acontece com ele.

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