Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Crise do clima aumenta risco de novas pandemias virais

Aquecimento muda distribuição de mamíferos e facilita trocas de vírus entre eles

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Mais de dois anos depois de começar a pandemia de Covid, a ciência ainda não conseguiu determinar de que animal surgiu esse coronavírus. É certo, porém, que o aquecimento global aumentará o risco de acontecerem mais dessas trocas virais entre espécies.

Os parentes mais próximos do vírus Sars-CoV-2 foram encontrados em morcegos da China, onde também surgiram os primeiros casos da doença. É provável que uma cepa mutada tenha transbordado de um desses bichos voadores para outro mamífero ou ave e, deste vetor não identificado, para seres humanos.

O salto entre espécies animais está na origem das enfermidades chamadas de zoonoses. Com a mudança do clima em curso, o aumento da temperatura força muitos desses organismos a migrar para áreas mais frias, onde entrarão em contato com membros de espécies que já vivem no local.

**EMBARGO: No electronic distribution, Web posting or street sales before Sunday at 3:01 a.m. ET Jan. 17, 2021. No exceptions for any reasons. EMBARGO set by source.** A team of researchers catch bats as they fly out of the Khao Chong Phran cave at dusk near Photharam District in Ratchaburi Province, Thailand, Dec. 11, 2020. The cave complex at a temple in Thailand has long drawn tourists, pilgrims and guano collectors. Now, scientists have arrived, looking for any potential links to the coronavirus. (Adam Dean/The New York Times)
Pesquisadores recolhem morcegos na Tailândia para investigar possíveis vírus semelhantes ao coronavírus - Adam Dean - 11.dez.2020/The New York Times

Quando animais se encontram, atacam ou comem uns aos outros, eles trocam vírus, que poderão ou não ser capazes de infectar a nova espécie. Alguns serão, e uma dessas espécies pode ser a humana.

Estima-se que existam 10 mil vírus competentes para invadir células humanas. A maior parte deles ainda aguarda silenciosamente em outros mamíferos a oportunidade de saltar para cima de nós. Em condições normais, isso é raro.

Um trabalho científico publicado online há dez dias na revista Nature estimou a probabilidade de tais encontros perniciosos acontecerem ao longo do próximo meio século, com o agravamento inevitável da crise climática. Não há nada de tranquilizador no estudo.

Pesquisadores dos EUA e da África do Sul criaram modelos de computador alimentados com previsões regionais de aumento da temperatura, distribuição de espécies e possíveis rotas de fuga (em geral para locais mais altos e frescos). Concluíram que 3.139 espécies de mamíferos mudarão de área até o ano 2070.

Os autores estimam que, em meio à movimentação, eventos de transbordamento viral podem duplicar a quantidade e bater em 4.000 nas próximas cinco décadas. Pior: mesmo que consigamos manter o aquecimento da atmosfera abaixo de 2°C, meta nada factível no ritmo atual de descarbonização da economia, os saltos vão acontecer de qualquer jeito.

A dispersão, de todo modo, ocorre lentamente na maior parte das espécies, que encontram barreiras físicas e ecológicas pelo caminho. Mas há um mamífero que consegue ir mais longe e mais rápido —os morcegos, porque voam.

As regiões de maior risco ficam na Ásia e na África, especialmente Índia, Indonésia e o Sahel (região africana ao sul do Saara). Várias condições concorreriam para isso: calor em alta, grande concentração de biodiversidade e seres humanos.

Pode parecer tranquilizador, para brasileiros, que a Amazônia não apareça no levantamento como setor de alto risco, apesar da biodiversidade e do avanço humano sobre a floresta. Pela imensidão, alto endemismo e baixa altitude média, as espécies acossadas pela mudança climática não têm para onde fugir.

No entanto, como a Covid deixou claro, bastam poucos meses para uma pandemia se espalhar pelo globo e chegar aqui. Vírus viajam de avião. E o estrago que fazem ou deixam de fazer depende da qualidade do governo e da vigilância de saúde no território invadido (e todos viram o estrago de Jair Bolsonaro por aqui).

Só resta a prevenção, com vigilância zoonótica e genética, para identificar cedo um transbordamento ou a chegada de novos vírus ao país. O Brasil deveria criar um órgão só para isso, ao estilo dos Centros de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, como propuseram Gonzalo Vecina Neto e Pedro Barbosa, na Folha, em 24 de abril.

Sugestão: partir da estrutura da Fiocruz, que já está presente em dez estados e tem competência no ramo, para criar o CDC do B. B de Brasil, do Estado brasileiro, não de Bolsonaro.

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