Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu jornalismo

Falsos patriotas gritam 'Selva!', mas desprezam Amazônia

Sabujos de Bolsonaro pouco se importam com o cheiro do sangue de Bruno e Dom

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Muita gente já escreveu sobre os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips. É um daqueles momentos atrozes em que ninguém decente pode deixar de manifestar indignação e tristeza, fazer uma homenagem e denunciar quem merece.

Não conheci Bruno e Dom pessoalmente. Gostaria de ter conhecido. Pelo que se lê nos relatos emocionados de amigos como Tom Phillips, Jon Watts, Eliane Brum, Sylvia Colombo e tantos outros, eram profissionais competentes e corajosos, homens de família gentis e felizes. Perdemos todos com suas mortes brutais.

Foto aérea de atracadouro simples em rio de águas barrentas, com floresta em volta
Vista aérea da cidade de Atalaia do Norte, cidade localizada no Vale do Javari, Amazonas - Lalo de Almeida - 18.jun.21/Folhapress

Conheço e conheci bem, por outro lado, Lalo de Almeida, Fabiano Maisonnave, Claudio Angelo, Giovana Girardi, Daniela Chiaretti, Fernando Gabeira, André Borges, João Moreira Salles, Leão Serva, Cristina Amorim, Ricardo Arnt, Kátia Brasil e outros tantos jornalistas destemidos.

Elas e eles dedicaram boa parte de suas reportagens à pauta ambiental e amazônica, por vezes com alto custo profissional —por insistência diante de chefes seduzidos por sereias negacionistas. Credite-se à memória sexagenária a omissão de vários nomes com que tenha cruzado nos caminhos de lama e percursos de rio.

Conheci também, de perto, pesquisadores e ativistas do quilate de Carlos Nobre, Fany Ricardo, Tasso Azevedo, Beto Ricardo, Claudia Andujar, Eduardo Viveiros de Castro, Mercedes Bustamante, Paulo Moutinho, Ane Alencar, Daniel Nepstad, Claudia Azevedo-Ramos, André Villas-Bôas, Marina Silva, Beto Veríssimo, Cristiane Fontes, Paulo Barreto, Adriana Moreira, Antonio Nobre, Tom Lovejoy, Paulo Brando, Caetano Scannavino, Aloisio Cabalzar, Marcos Wesley, Bruce Albert...

Paro por aqui, na certeza de ter cometido mais injustiças. Foram guias inesquecíveis em 34 anos de aprendizado sobre a complexidade e a beleza da floresta, seus estoques de carbono e inigualável sociobiodiversidade.

Rios portentosos como o Tapajós e o Negro. O olhar desarmado dos yanomamis e outros índios a nos reconhecer como humanos, ainda que ameaçadores, antes mesmo de os reconhecermos como parentes.

Conheci ainda, embora superficialmente, Ailton Krenak e David Kopenawa. O primeiro abriu-me os olhos para centenas de povos e línguas indígenas na mata e fora dela, durante palestra improvável da USP na disciplina Organização Social e Política do Brasil (OSPB), nos anos 1980, arma doutrinária da ditadura que atirava pela culatra. O segundo ensinou-me sobre a queda do céu.

Qualquer um desses nomes poderia ter aparecido no noticiário como vítimas da violência desumana que abateu Bruno e Dom. Ainda bem que isso não aconteceu. Seguem todos amassando o barro e molhando as roupas na chuva benfazeja da Amazônia, ainda que alguns hoje só o façam em memória.

Pouco ou nada conheci, por sorte e aversão, dos militares que passeiam pela Amazônia. Enchem a boca para falar da cobiça internacional sobre as riquezas da floresta sem conhecê-las. Gente de má catadura, que se perfilou como guarda pretoriana de Jair Bolsonaro, o mau militar promovido a presidente da República.

Para essa caterva, os heróis da Amazônia Ilegal são garimpeiros, grileiros, madeireiros e pistoleiros que matam e desmatam. Povo pobre e ruim, pioneiros na cadeia de atrocidades a beneficiar latifundiários pecuaristas que usam gado para lavar dinheiro de corrupção e têm assento ou cúmplices no Congresso.

Maus brasileiros, no centrão da Esplanada ou da Faria Lima, que posam de patriotas e estão sempre prontos a ladrar "Selva!" quando farejam um demófobo para abanar o rabo e lambuzar as patas no sangue dos outros.

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