Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu drogas

Saiba por que psicodélicos funcionam melhor contra depressão

Ayahuasca e cogumelos agem mais rápido que neurotransmissor por penetrar em neurônios

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Em 2021, a Organização Mundial da Saúde estimava que 280 milhões de pessoas sofriam com depressão no mundo, uma das principais causas dos 700 mil suicídios ocorridos a cada ano. Com a pandemia de Covid, a multidão de deprimidos pode ter crescido para 350 milhões.

Para piorar, pelo menos um terço dos doentes não encontra benefício nos antidepressivos existentes. Daí o interesse nos últimos anos por estudos —ainda preliminares, abrangendo poucos pacientes— com substâncias psicodélicas como alternativa de solução rápida para tantos desassistidos.

Os testes clínicos mais adiantados envolvem a psilocibina de cogumelos mal denominados "mágicos". É bioquímica, não feitiçaria. Melhoras surgem já com a primeira dose do possível medicamento, que, se aprovado por agências reguladoras como apoio de psicoterapia, não deverá ser de uso contínuo.

Cipó de ayahuasca encontrado na floresta  amazônica; o estudo mostrou que a substância auxilia o tratamento da depressão
Cipó de ayahuasca encontrado na floresta amazônica; o estudo mostrou que a substância auxilia o tratamento da depressão - Eduardo Knapp - 10.dez.22/Folhapress

Resultados promissores, mas igualmente limitados, saíram de ensaios pequenos com ayahuasca e seu componente psicoativo, dimetiltriptamina (DMT). Um estudo pioneiro, controlado por grupo de placebo, testou três dezenas de voluntários com depressão resistente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Ninguém sabe direito o que causa a depressão, além, claro, das agruras da vida. O cérebro do deprimido parece sofrer retração de conexões em áreas importantes para o controle de emoções, como o córtex frontal, mas a razão disso é misteriosa.

Uma hipótese punha a culpa no déficit cerebral de serotonina, o chamado "hormônio da felicidade". Grande entusiasmo surgiu em 1986 quando chegou ao mercado a fluoxetina (Prozac), um inibidor seletivo de recaptação de serotonina (ISRS) que aumenta a concentração do neurotransmissor nas sinapses.

A melhora na comunicação entre neurônios alivia muitos deprimidos, mas não todos, como já foi dito. A serotonina, mesmo em maior quantidade, não consegue induzir diretamente a formação de novas conexões (neuroplasticidade), que dariam à mente mais flexibilidade para lidar com as tristezas de todo dia.

Aí entram os psicodélicos. Após meio século de má fama e proibição, vários estudos —inclusive na UFRN— têm mostrado seu impacto na neuroplasticidade. Isso explicaria os benefícios antidepressivos observados já no primeiro dia, ao passo que os ISRSs podem demorar semanas para surtir efeito.

Ocorre que psicodélicos atuam sobre os mesmos receptores neuronais da serotonina, em especial o 5HT2A. Permanecia um enigma que uma substância, a serotonina, seja incapaz de induzir novas conexões e que outras, os psicodélicos, acionando as mesmas chaves celulares, consigam dar o passo antidepressivo adicional.

Uma peça no quebra-cabeças se encaixou dia 17, com um artigo na revista Science do grupo de David Olson, da Universidade da Califórnia em Davis. Olson é também fundador da empresa Delix Therapeutics.

O time mostrou que psicodélicos como a DMT da ayahuasca conseguem penetrar nos neurônios e acionar os receptores 5HT2A lá dentro das células, não só os posicionados na membrana. A penetração seria imprescindível para desencadear a neuroplasticidade e efeitos subjetivos como as viagens psicodélicas.

Muita coisa resta por explicar. Se há receptores para psicodélicos lá no fundo dos neurônios, deve ser porque o próprio organismo produz suas drogas alteradoras de consciência. Com efeito, já se sabe que há DMT endógena no cérebro, a exemplo de endorfinas e endocanabinoides.

Por quê? Para quê? E, mais ainda: qual a explicação para compostos com tamanho poder de modificar a percepção e mesmo combater a depressão serem secretados também nas folhas de plantas como a chacrona (DMT), no corpo de cogumelos (psilocibina) e até no de sapos (5-MeO-DMT)?

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