Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana
Descrição de chapéu matemática educação

Primos gêmeos constituem um dos mistérios mais intrigantes da aritmética

Estudos sobre números primos já auxiliaram na identificação de erros em processadores

A definição todos aprendemos na escola. Um número primo é um número maior do que 1 que só pode ser dividido por ele mesmo e pelo 1.

O nome vem do latim “primus”, que significa primeiro. De acordo com o chamado teorema fundamental da aritmética, todo número inteiro maior que 1 pode ser obtido multiplicando números primos.

Lousa com fórmulas matemáticas
Lousa com fórmulas matemáticas - Gabriel Cabral/Folhapress

Mas apesar de a definição ser simples, os números primos encerram muitos mistérios, alguns dos quais continuam insondáveis, apesar dos avanços alcançados.

Um dos mais intrigantes é o problema dos primos gêmeos. São pares de números primos ímpares consecutivos, ou seja, cuja diferença é igual a 2. Esta denominação foi usada pela primeira vez em 1916, pelo matemático alemão Paul Stäckel (1862 - 1919), mas o problema é muito mais antigo.

Os primeiros primos gêmeos são (3, 5), (5, 7), (11, 13), (17, 19), (29, 31) e (41, 43). Há muitos outros. Por exemplo, sabemos que existem 27.412.679 primos gêmeos com 10 dígitos ou menos. O maior primo gêmeo conhecido atualmente foi calculado em setembro de 2016 e é formado por primos com 388.342 dígitos.

Mas, à medida que vamos considerando números maiores, vai ficando cada vez mais difícil encontrá-los. Os matemáticos britânicos Godfrey Hardy (1877 - 1947) e John Littlewood (1885 - 1977) propuseram uma fórmula para calcular o número de primos gêmeos até um dado número n. Essa fórmula parece funcionar muito bem, mas até hoje não foi provada matematicamente.

De fato, há um problema bem mais básico que também continua sem resposta: a quantidade de primos gêmeos é finita ou infinita?

Há muitas demonstrações matemáticas de que a quantidade total de números primos é infinita. A mais antiga é atribuída ao grego Euclides, que viveu no século 3 a.C. na cidade helenística de Alexandria. A minha favorita foi dada muito depois pelo grande Leonard Euler (1707 – 1783). O que ele provou foi que a soma dos inversos de todos os números primos é infinita. Claro que isso só pode acontecer se a quantidade de parcelas for infinita e, dessa forma, fica provado que há infinitos primos.

1/2 + 1/3 + 1/5 + 1/7 + 1/11 + 1/13 + 1/17 + 1/19 + 1/23 + 1/29 + 1/31 + 1/37 + 1/41 + 1/43 +...

Para primos gêmeos a situação é radicalmente diferente. Em 1919, o norueguês Viggo Brun (1885 - 1978) provou um teorema surpreendente. Ao contrário do que acontece para todos os primos, a soma dos inversos dos primos gêmeos é um número finito!

(1/3 + 1/5) + (1/5 + 1/7) + (1/11 + 1/13) + (1/17 + 1/19) + (1/29 + 1/31) + (1/41 + 1/43) +...

Esse número vale aproximadamente 1,902160583104... e é chamado de constante de Brun.

O fato de a soma ser finita não permite concluir se a quantidade de parcelas é finita ou infinita —ou seja, não ajuda a resolver a questão dos primos gêmeos.

O principal avanço na direção de resolver esse problema foi obtido em 2013 pelo chinês Yitang Zhang, nascido em Xangai em 1955. No lugar de pares de primos com diferença igual a 2, ele considerou diferenças quaisquer e provou que existe algum número N tal que a quantidade de pares de primos cuja diferença é N é infinita. Por essa façanha, Zhang foi convidado a dar a palestra de encerramento do Congresso Internacional de Matemáticos de 2014, em Seul, uma distinção.

O argumento dele também mostrava que N pode ser tomado menor que 70 milhões. Um projeto colaborativo, com a participação de matemáticos (e computadores) do mundo todo, conseguiu melhorar muito essa estimativa. Agora sabemos que podemos tomar = 246. O problema original, com = 2, continua sem solução...

Curiosamente, estes estudos teóricos também tiveram uma consequência prática totalmente imprevista. Pesquisando primos gêmeos por meio de computadores, em 1994, o americano Thomas Nicely descobriu que o processador Pentium da Intel tinha um erro de fabricação!

Essa descoberta obrigou a empresa a fazer um “recall” desses processadores, com prejuízo de quase meio bilhão de dólares.

Outra curiosidade. Em 2011, o Google homenageou a constante de Brun oferecendo US$ 1.902.160.540 pela compra da empresa canadense Nortel de telecomunicações. Mas não foi suficiente. Acabaram comprando por US$ 3.141.592.653, que também é homenagem a outra constante ainda mais famosa.

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