Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Para Einstein, o princípio criativo da física reside na matemática, parte 2

Einstein e Poincaré fundaram a teoria da relatividade restrita, que revolucionou os conceitos de espaço e tempo

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São Paulo

​Trabalhos publicados em 1905 por Albert Einstein e Henri Poincaré fundaram uma nova área da física, a teoria da relatividade restrita, que revolucionou profundamente os conceitos de espaço e de tempo. Mas a nova teoria veio com duas limitações graves.

Primeiramente, ela está baseada na ideia de que “as leis da física devem ser as mesmas para quaisquer observadores que estejam em movimento uniforme uns em relação aos outros”. Seria muito mais satisfatório ter uma formulação das leis da física válida para todos os observadores sem exceção, incluindo movimentos com aceleração.

Pessoa observa imagem de Albert Einstein feita com torradas exposta numa feira de ciência no Canadá
Pessoa observa imagem de Albert Einstein feita com torradas exposta numa feira de ciência no Canadá - Liang Sen/Xinhua

Em segundo lugar, a teoria da relatividade restrita não se aplica a observadores sujeitos a atração gravitacional. Submetidos como estamos à atração da Terra, nós sentimos o nosso peso e vemos os objetos caírem à nossa volta. Isso é muito diferente da experiência de um astronauta no espaço, em gravitação zero.

Em 1907, Einstein teve o que chamou “o pensamento mais feliz de toda a minha vida”. “Estava trabalhando quando me ocorreu a seguinte ideia: uma pessoa em queda livre não sente o próprio peso”: a atração gravitacional é anulada pela aceleração do movimento de queda!

Einstein chamou essa ideia de “princípio de equivalência”. Hoje em dia ela é usada para simular situações de gravitação zero: astronautas treinam para operarem no espaço viajando em aviões que caem livremente durante alguns minutos. O físico Stephen Hawking, de quem falei aqui recentemente, fez questão de passar por essa experiência extraordinária, aos 65 anos de idade.

Nesse mesmo ano de 1907, Einstein publicou o trabalho “Sobre o princípio da relatividade e suas consequências”, em que esboçou a construção de uma “teoria da relatividade geral” baseada no princípio de equivalência e também explicou como ela poderia ser testada na prática.

Por exemplo, de acordo com os seus cálculos, raios de luz se curvam quando passam em um campo gravitacional. Essa previsão foi comprovada, de modo espetacular, pela observação do eclipse solar de 29 de maio de 1919, em Sobral (CE), que constituiu a primeira confirmação experimental da teoria relatividade geral.

Mas em 1907 o mais difícil ainda estava por vir: formular a teoria da gravitação de modo completamente covariante, isto é, realmente válida para todos os observadores sem exceção. Esse foi um episódio notável da história da ciência, em que matemática e física ao mesmo tempo competiram e colaboraram para chegar à solução do problema.

Einstein escreveu a esse respeito: “Uma coisa é certa: nunca trabalhei tanto em toda a minha vida. E adquiri um enorme respeito pela matemática, cuja sutileza até então eu tinha, na minha ignorância, considerado um mero luxo. Comparado com isto, o problema original da relatividade [restrita] foi uma brincadeira de crianças”.

Inicialmente, Einstein apelou para seu amigo Marcel Grossmann, professor de geometria na renomada Escola Técnica Federal de Zurique. “Grossmann, você tem que me ajudar, se não eu enlouqueço!”, suplicou.

Além de ter ajudado a resolver um caso particular do problema, Grossman explicou a Einstein que a teoria matemática de que ele precisava já existia: era a geometria riemanniana, assim chamada em homenagem ao grande matemático alemão Bernhard Riemann (1826 – 1866), que lhe deu início.

Um dos maiores especialistas dessa área foi o matemático italiano Tullio Levi-Civita (1873 – 1941), com quem Einstein se correspondeu intensamente e por quem tinha um enorme apreço: “Admiro a elegância de seu método de cálculo. Deve ser fantástico percorrer estes campos montado no cavalo da verdadeira matemática, enquanto aqueles como eu têm que caminhar penosamente a pé”.

Mas a colaboração (e competição) mais importante para Einstein foi com seu compatriota David Hilbert (1862 – 1943), que, após o falecimento de Poincaré, era considerado o maior matemático vivo. Einstein visitou Hilbert na universidade de Göttingen em meados de 1915 e a partir daí os dois homens se escreveram intensamente durante alguns meses: a correspondência chegou a ser diária!

A influência de Hilbert foi fundamental para que Einstein não desistisse de desenvolver uma teoria completamente covariante. E quando, em 25 de novembro de 1915, Einstein finalmente publicou sua famosa equação de campo (Gμν = κ Tμν), resulta que ela já tinha sido mencionada antes nas cartas de Hilbert!

Esse fato deu origem a muita controvérsia sobre quem foi o verdadeiro criador da relatividade geral. Mas, como escreveu o pesquisador russo Ivan Todorov, “Einstein e Hilbert tiveram a força moral e a sabedoria  —depois de um mês de intensa competição— de evitar uma interminável disputa sobre prioridades. Seria uma vergonha se gerações subsequentes de cientistas e historiadores tentassem desfazer a façanha deles”.

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