Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

A matemática a serviço da democracia

Dupla esteve na origem de importantes avanços da matemática no domínio das ciências sociais

A cantora israelense Netta Barzilai no concurso Eurovision, que usa método de votação criado pelo matemático Jean-Charles de Borda
A cantora israelense Netta Barzilai no concurso Eurovision, que usa método de votação criado pelo matemático Jean-Charles de Borda - Francisco Leong/AFP

Era uma vez uma votação com 3 candidatos –X, Y e –Z e 100 votantes. Quarenta eleitores preferem o candidato X, seguido de Y e depois Z; 35 escolhem Y, têm Z como segunda opção e X como última; para 25, Z é o favorito, seguido de Y e de X. Numa votação uninominal —em que cada eleitor vota em um só candidato— X ganha, embora uma maioria de 60% o considere o pior dos três!

É o paradoxo de Condorcet, assim chamado em homenagem ao marquês de Condorcet (1743-1794), matemático, filósofo e político francês que observou o fenômeno pela primeira vez. Há exemplos recentes, em diversos países.

O marquês propôs um sistema de votação, chamado "método de Condorcet", para corrigir esse efeito. Essencialmente, consiste em comparar cada candidato com cada um dos outros, separadamente, sendo eleito aquele que vença todos esses "duelos".

É pouco prático, sobretudo em eleições com muitos candidatos ou eleitores —como no Brasil. Por isso, o método de Condorcet raramente é usado. A votação em dois turnos, com o duelo no segundo, é um passo nessa direção.

Outro sistema de votação foi proposto por um contemporâneo de Condorcet, o cavaleiro Jean-Charles de Borda (1733-1799), matemático e navegador francês. Nele, cada eleitor dá pontos aos candidatos. Um ponto ao último, 2 ao penúltimo e assim por diante. Ganha o candidato que somar mais pontos. Este método já foi usado no Senado da República de Roma.

No exemplo acima, Z ganha 40 vezes 1 ponto mais 35 vezes 2 pontos mais 25 vezes 3 pontos (185 pontos no total). Já Y ganha 235 pontos, e leva a eleição. X ficaria com 180 pontos, o último lugar --e não o primeiro.

Embora concordassem que esse método é mais prático, Condorcet e Borda debateram sobre qual reflete melhor a vontade dos eleitores (a matemática do século 20 acabou dando alguma razão a Borda).

O método de Borda é usado em situações diversas, como eleições parlamentares de alguns pequenos países, o Festival Eurovisão da Canção e até nas votações da comissão de atividades científicas do Impa.

Mais importante, o trabalho de Condorcet e Borda esteve na origem de importantes avanços da matemática no domínio das ciências sociais, com destaque para o famoso teorema da impossibilidade de Arrow.

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